Contagem aos 108 anos é fascinante

Tilden Santiago *
Contagem se movimentou para celebrar no dia 30 de agosto, seus 108 anos de emancipação. Eventos culturais com apresentações musicais na abertura dos festejos na praça do Divino, se misturaram no dia seguinte com a comemoração dos 197 anos da Independência, na passagem de um desfile pela João César de Oliveira. Contagense talentosa, Thaís Moreira deu o tom na abertura do Minas ao Luar na cidade. É tradição ser o Mercado de Contagem o ponto de encontro cultural. Lá estava rindo à toa, o Cariri, um dos comerciantes mais antigos do local.
Barraquinhas populares em muitos bairros lembraram o tradicional Festival Gastronômico das Abóboras, na própria terra das abóboras. Vereadores, o prefeito Alex de Freitas e seu vice William Barreiro, seus secretários e assessores tiveram de se multiplicar em vários para participar da festa em tantos lugares.
Cada contagense tem seu modo de sentir sua cidade! Orgulho-me de ser seu filho de coração, por aqui morar há 44 anos e pelo título de cidadão honorário dado pela Câmara, que me honra tanto quanto ter sido embaixador e deputado federal. Orgulho-me também por meus três filhos, Vladimir, Alessandra e Stella se sentirem contagenses.
Contagem guarda boas relações com os vizinhos que a rodeiam – inclusive graças a suas origens. Em 1938, perdeu sua autonomia política tornando-se distrito de Betim, por ato do então governador Benedito Valadares. Foi transformada em município em 30/08/1911, ao mesmo tempo que Pirapora, no Velho Chico. Anteriormente Contagem pertenceu à Comarca do Rio das Velhas, distrito do município de Sabará. Em 1901 foi vinculada a Santa Quitéria, atual Esmeraldas. Mas foi em 1948 que foi restaurada a autonomia administrativa da cidade.
Contagem vive até hoje os avanços e limites, que se revezam no desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Um dos divisores de água fundamental de sua caminhada histórica no Brasil, nas Minas e nos Gerais (Campos) foi 1941, quando aqui se instalou a Cidade Industrial Juventino Dias. Aí estão as raízes das feições que caracterizam Contagem, como cidade de empresas, com seus proprietários, donos dos meios de produção e seus milhares de trabalhadores assalariados, contribuindo com sua força de trabalho para o Brasil e Minas, que surgiam da Revolução Industrial das décadas de 30 e 40, com grande contribuição do estadista que foi Getúlio Vargas.
É essa Contagem, palco do capital e do trabalho, que atraiu esse escriba para seus domínios e de sua família recém-formada, com Maria José, nordestina e nossos três filhos.
Em 44 anos, não foi difícil conhecer as inúmeras fábricas, especialmente metalúrgicas e a miríade de bairros operários, vilas e favelas, em torno das fábricas, que acolhiam e ofereciam o merecido descanso a seus obreiros – a poucos passos dos locais de produção.
Após trabalhar por mais de 20 anos como padre-operário na indústria, no Oriente Médio, Roma, Vitória, nordeste do País e São Paulo, como soldador e evangelizador, após a prisão política no DOI-Codi-SP, voltei para Minas. Na impossibilidade de continuar a usar macacão na fábrica, mergulhei na educação e no jornalismo, jornal DIÁRIO DO COMÉRCIO de segunda a sexta, informando o empresariado, e Jornal dos Bairros nos finais de semana, levando informação e incentivo às lutas populares na saída da ditadura cívico-militar, às populações de Contagem, Barreiro, Betim e Ibirité, cenário onde fizeram história Joaquim Metalúrgico, Milton de Freitas, Seu Alcides, Dazinho, Juventino Dias, Dr João de Mattos, ex-presidente José Alencar (Fiemg), ex-governador Newton Cardoso, Olavo Machado (Fiemg), José Costa (Fundador do DIÁRIO DO COMÉRCIO, um visionário e permanente incentivador do desenvolvimento mineiro), Robson Andrade (Fiemg), Ermelindo Rocha de Faria (Empresa São Gonçalo), Adson Marinho (Fiemg), Nansen Araújo (Fiemg), Frank Sinatra (FCDL-MG/CDL Contagem), Umberto Nogueira (Acic) e outros líderes polulares e empresariais.
Foi sob esse ângulo que Contagem me fascinou e me fascina até hoje. Geraldo Vandré cantava que “a vida não muda, mudando só de lugar”. É verdade. Mas é também verdade que a mudança “geográfica” pode provocar mudanças “de vida”.
Teceram as Parcas que eu trocasse Roma por Nazaré em 1963, aos 23 anos, o Sul brasileiro industrial pelo Nordeste agrário e sertanejo em 1968, aos 28 anos. Mas nenhuma troca provocou mudanças tão profundas, como a da prisão política do DOI-Codi paulista para a vida cidadã, livre e democrática da laboriosa Contagem em 1975.
Apaixonado pela saga dos Arturos, testemunho vivo do que foi a escravatura e a luta contra a opressão, adotei Contagem, celeiro de felicidade para homens e mulheres que por aqui campeiam e lutam pela sobrevivência.
Ninguém escolhe o berço onde nascer, mas pode escolher já adulto, o raio de ação profissional, política, cultural, afetiva e espiritual, ao sobreviver.
*Jornalista, embaixador e contagense
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