Opinião

Convivência democrática

Convivência democrática
Crédito: Freepik

Cesar Vanucci*

“A democracia é um exercício de convivência e não de exclusão.” (Tristão de Athayde)

  • Não deu outra. A democracia, penhorada, agradece. O Supremo Tribunal Federal, quase por unanimidade, detonou a repulsiva articulação de um grupo político talebanista infiltrado no Ministério da Justiça. Os raivosos fundamentalistas achavam-se empenhados na feitura de relatórios com o objetivo de xeretar a vida de servidores públicos considerados, ao seu maquiavélico juízo, “inimigos perigosos” por discordarem dos posicionamentos políticos dominantes nas altas esferas do Poder. No único voto desfavorável à determinação que freou a subversiva maquinação de bastidores, o procedimento antidemocrático recebeu, por sinal, ácidas críticas. O autor do voto discordante alegou motivação estritamente técnica. A proibição do monitoramento de cidadãos no desfrute pleno das prerrogativas constitucionais que asseguram o direito da divergência política foi acolhida com aplausos pela opinião pública. O ministro da Justiça, André Luiz de Almeida Mendonça, deixou explicitado seu repúdio ao esquema montado por subalternos, objeto da peremptória condenação da Corte. Alguns magistrados, aliás, isentaram-no de responsabilidade na questão. Restou, diante disso, esclarecer o seguinte: o antecessor, ex-ministro Sérgio Moro, teria tido ciência do fato, ou a grave manipulação de dados teria se processado à sua revelia? Tudo, irrefutavelmente, bastante vexatório. À consciência cívica brasileira aborrecem, em demasia, os gestos de fanatice e preconceito volta e meia estridentemente externados por adeptos das incendiárias lateralidades ideológicas. Discordar é possível e é preciso. A convivência democrática comporta divergências no campo das ideias. Tentar tolher a livre expressão do pensamento com ameaças, ou qualquer outra demonstração belicosa, significa, todavia, atentado aos sagrados preceitos democráticos e aos foros de cidadania.
  • Trambiqueiro. Quem acaba de ser preso nos Estados Unidos, por ações fraudulentas, é o famoso Steve Bannon, apontado como instituidor, em diversas partes do mundo, a começar de seu próprio país, de colossais engrenagens de difusão das chamadas “fake news”. Ele atuava, até recentemente, como conselheiro do presidente Donald Trump, tendo tido participação ativa na campanha eleitoral de 2016. Bannon foi autuado por trambiques praticados em arrecadações de fundos inseridos em propostas políticas e administrativas do titular da Casa Branca. Segundo a acusação, o dito cujo desviou uma “nota preta”, engrossando sua conta bancária, dos avolumados recursos levantados para a construção do “muro dos imigrantes ilegais” entre os Estados Unidos e o México, promessa de campanha do candidato republicano à reeleição. Indiciado por lavagem de dinheiro, o ideólogo das “operações” concernentes à difusão sistemática, em ritmo alucinante, de informações mentirosas na mídia digital pode vir a ser condenado a 20 anos de cadeia.
  • Fanatice. O Judiciário agiu com presteza ao blindar, de modo pode-se dizer razoável, a inocente garota brutalizada aos 6 e engravidada aos 10 anos num caso comovente que adquiriu mórbida configuração sensacionalista. O insano autor do delito já aguarda na prisão pelo julgamento que fez por merecer e que o levará, infalivelmente, à condenação a pena máxima. A vítima foi autorizada, em termos rigorosamente legais, a interromper a gestação. O hospital indicado recusou-se a fazer o procedimento. Isso levou à designação de outro estabelecimento de assistência médica para garantir o direito (previsto em lei, repita-se) da vítima da inominável violência. Nesse momento, fanáticos fundamentalistas, de notória presença em esquemas de propagação das chamadas “fake news”, resolveram entrar estrepitosamente em cena. Utilizando escandalosamente as redes sociais, propagaram extravagantes versões do doloroso episódio, na linha do falso moralismo, alvejando impiedosamente a garotinha, familiares, magistrados e médicos. Chegaram ao extremo de fornecer nomes e endereços de todos, convocando ativistas “tarimbados” em intolerância religiosa a promoverem atos intimidatórios, abrangendo, inclusive, invasões de domicílios e casas de saúde. Sandices de toda ordem pipocaram no pedaço. Uma amostra: professora paulista sustentou a paranoica tese da responsabilidade da vítima (menor de 10 anos). Ousou dizer essa barbaridade: “Ela já tinha vida sexual há 4 anos com esse homem. Deve ter sido bem paga.” Seja anotado, ainda, a propósito do atordoante episódio, que o pontapé inicial da ofensiva dos radicais foi dado por uma manjada extremista política, atualmente em prisão domiciliar por outras façanhas.

*Jornalista ([email protected])

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas