Opinião

Declaração de amor a Belô

Declaração de amor a Belô
Crédito: Adobe Stock

“Mas que belo horizonte ! “ (João Paulo II, na Praça do Papa)

Belo Horizonte acaba de completar 125 anos de existência. O encantamento que a cidade desperta em meu espírito está refletido numa curta sequência de artigos escritos há mais de duas décadas e que não perderam o sabor de atualidade. Cuidemos de reproduzi-los neste acolhedor espaço. 

Confesso, sem constrangimento, em lisa e leal verdade, que não foi bem um caso de amor à primeira vista. Não foi um daqueles envolvimentos tórridos, capazes de provocar degelamento em câmara frigorífica, mas que costumam se embaraçar diante dos mais prosaicos desafios nascidos da proverbial inconstância humana. Não foi, decididamente, uma paixão súbita. Um desses romances que parece prover o cidadão flechado por Cupido do dom temporário da levitação, até que a aspereza da realidade interrompa o voo condoreiro, trazendo o dito cujo de volta ao solo, que nem pipa desgovernada depois do rompimento da linha.

Foi conquista lenta e gradual. Como se apreciava dizer nos tempos tensionados da chamada distensão democrática. Quando irrompeu, o amor fincou raízes, encorpou-se, espalhou ramagens, adquiriu a feição pronta e acabada de uma empreitada bem-sucedida. O processo foi todo repleto de perguntas silenciosas e de avaliações também mudas. As respostas brotavam à medida que eu conseguia penetrar a envolvente matreirice mineira da cidade. Entendê-la em seu jeito de ser tão paradoxal. De um lado, a abertura, diria escancarada para o universal, o holístico. De outro, o recolhimento puritano, provinciano, suburbano até.

Quando aqui cheguei, na década de 60, vindo do interior, intrigou-me aquele ar de donzelice ciosa de castas prerrogativas, substituído, em ocasiões inesperadas, por lances de incandescência profana os mais singulares. Encabulava-me o jeitão desconfiado da cidade na acolhida ao forasteiro. Sobretudo o forasteiro das plagas triangulinas. O estado de espírito de Belô parecia-me chegado ao egocentrismo. Algo assim como de alguém que se deixasse extasiar pelo próprio umbigo, elegendo-o centro do mundo, numa overdose de autossuficiência.

Minhas avaliações repousavam em conceitos culturais trazidos da origem. Não conseguia, por isso, entender a dificuldade da cidade, caixa de ressonância natural das ocorrências do Estado inteiro, para assimilar os êxitos pessoais de valores que emergiram para a notoriedade nacional, valendo-se de conexões diretas com o Rio e São Paulo, sem passar por estágio belo-horizontino. Era assim que eu via as coisas com relação a empresários de Uberlândia e Uberaba e seus empreendimentos vitoriosos, solenemente ignorados na divulgação e no apreço da Capital. Por exemplo: as pessoas, de modo geral, recebiam com um misto de surpresa e incredulidade revelações do tipo de que em Uberlândia estava plantado o mais importante polo do comércio atacadista do País. Era o caso, também, na literatura, da meteórica ascensão de Mário Palmério às altitudes acadêmicas sem que tivesse obtido o prévio reconhecimento de seu talento pelas respeitáveis elites da inteligência local. Era o caso, ainda, no campo da arte e comunicação, da vertiginosa escalada de sucessos de Augusto Cesar Vanucci não registrada com o destaque próprio por ocasião dos sucessivos títulos ganhos, primeiro no Teatro do Estudante, depois como ator de cinema e teatro, produtor de televisão, com “Emys” e “Ondas” no amplo acervo dos troféus arrebatados internacionalmente, ou como um dos criadores do famoso padrão global de qualidade. Afligia-me também, de princípio, o silêncio de túmulo etrusco estabelecido à volta da portentosa obra de pensadores da altura de Alexandre Gonçalves Amaral e de Juvenal Arduini.

Mais Belô adiante.

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