Duas iniciativas essenciais

Duas importantes iniciativas tomaram corpo nesses últimos dias: a primeira foi a criação da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas, à qual já aderiram mais de 500 cientistas, doutoras, para debater e pensar em ações concretas na defesa das mulheres brasileiras nessa pandemia.
A segunda, também sumamente importante, reunindo associações e sociedades científicas, coordenadores e alunos de programas de pós-graduação, pesquisadores, coordenadores e coordenadoras representantes de áreas da Capes visa um movimento pelo resgate da instituição Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível superior, seriamente afetada pelas medidas nefastas e desrespeitosas do governo federal.
A primeira iniciativa, liderada pela Rede Brasileira de Mulheres Cientistas, denuncia a extrema gravidade do momento em que vivemos, com um numero de mortes e de infectados cada vez maior em razão do descaso e desprezo demonstrado pelas autoridades à vida da população brasileira e consequente agravamento das condições sociais, econômicas e psíquicas de milhares de brasileiros, sobretudo das mulheres. Sejam elas brancas ou negras, pobres sempre e sempre moradoras de periferias.
A maioria dessas mulheres abandonou seus empregos não só para cuidar das crianças, idosos e enfermos, mas também porque sentiu na pele o aumento da precarização da sua inserção no mercado de trabalho (a taxa de desemprego no último trimestre de 2020 foi de 14,4%, enquanto no que se refere às mulheres foi de 17%). Sem se esquecer do agravamento não só dos casos de violência doméstica como da violência política, que marca a sociedade brasileira na sua relação com as mulheres.
Em face dessa situação, mulheres cientistas das universidades brasileiras se unem em defesa desse universo e propõem um debate público para a construção de políticas públicas voltadas para a defesa das mulheres e meninas, garantindo condições de vida, de trabalho, de saúde e de segurança para todas. Nesse sentido, propõem discutir questões como: Saúde, Violência, Educação, Assistência Social e Segurança Alimentar, Trabalho e Emprego, Moradia e Mobilidade. Para isso, vários são os caminhos propostos: atuar junto aos gestores públicos nas diferentes instâncias ─ federais, estaduais e municipais ─, oferecendo conhecimento técnico, elaboração de cartilhas, protocolos e construção de soluções adequadas; ampliar o debate nas esferas públicas, envolvendo jornalistas, associações de mulheres, Judiciário, Ministério Público, movimentos feministas para uma campanha nacional sobre os riscos vividos por essa população feminina e buscar as soluções necessárias e urgentes; diálogo com autoridades eleitas com poder de decisão de forma a sensibilizá-las para a urgência de garantia das condições básicas de vida dessas mulheres (adoção de medidas de proteção social, auxílio emergencial, programas de proteção a pequenas e médias empresas, benefícios materiais e renda assegurada); sistematização e difusão de experiências exitosas de resposta à pandemia, tais como os casos de Paraisópolis, do Complexo Alemão, dos governos locais de Niterói e Araraquara, mostrando a participação das mulheres nesses processos e promovendo rodas de conversas com essas mulheres ativistas; e, finalmente, fomentar e assessorar iniciativas no campo da memória, da verdade e da justiça, com foco no impacto da pandemia na vida das mulheres pobres e apoiar a iniciativas de investigação da sociedade civil e a responsabilização dos agentes públicos e privados, responsáveis pela propagação da Covid-19 no Brasil.
Por outro lado, a segunda iniciativa: entidades representativas dos professores universitários entendem que é também urgente um movimento de defesa e de resgate da Coordenação de Pessoal de Nível Superior-Capes, totalmente descaracterizada e desrespeitada no seu papel de criação das condições necessárias para a formação de profissionais e pesquisadores de qualidade para atuação no ensino, na pesquisa e na extensão das universidades brasileiras.
Sabe-se, perfeitamente, que as condições criadas pela Capes e os incentivos estabelecidos possibilitaram a formação de 7,6 doutores por 100 mil habitantes, cumprindo-se assim as metas estipuladas pelo Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020. O que significa, é óbvio, melhoria do conhecimento científico e técnico produzido, com os consequentes resultados no avanço da economia e na qualidade de vida e bem-estar da população. É claro que toda essa política implica em crescimento orçamentário constante e uma gestão competente. Todavia, nesse último governo, não só a agência vem sofrendo cortes bruscos e grandes no seu orçamento, como vem sofrendo a indicação de gestores que, além de totalmente desqualificados para a função ─ sem expertise técnica, sem experiência de orientação, pesquisa e ensino na pós-graduação ─ são escolhidos por sua vinculação com a Presidência do País, notando-se claramente um viés ideológico anticientífico, o que afeta gravemente os seus objetivos e o seu desempenho. Registra-se ainda a desarticulação do Conselho Técnico-Científico e do Conselho Superior, a falta de transparência com a comunidade científica e acadêmica, o corte de bolsas permanentes em programas de pós-graduação, essenciais à continuação dos estudos e das pesquisas em andamento, o desrespeito total com os coordenadores dos programas de pós-graduação no processo de avaliação, além do desprezo pelo fomento à pesquisa em áreas das humanidades.
Está claro que essas duas iniciativas, lideradas por setores das universidades brasileiras, são de fundamental importância para a solução de problemas que nos afligem: a situação das mulheres na periferia, sofrendo mais do que outros, os efeitos de uma pandemia desgovernada; e as condições devidas para a formação de professores universitários, pesquisadores e cientistas competentes, produzindo um conhecimento científico de qualidade que possibilite o avanço econômico, social e, sobretudo, soberano deste nosso País. Merecem todo o sucesso possível.
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