Opinião

“E agora José? A festa acabou…”

“E agora José? A festa acabou…”

Henrique Assunção Paim*

Parafraseando Carlos Drummond de Andrade em mais um de seus geniais poemas, publicado em 1942 na coletânea “Poesias”, fica a questão: a festa do crédito farto e barato de fato acabou? Ou será que foi apenas suspensa momentaneamente? 

O início de 2023 vem sofrendo choques diversos, não na mesma amplitude, mas parecidos com os choques a partir de março de 2020, quando a pandemia finalmente aterrissou no Brasil. Naquele momento, o pânico se espalhou rapidamente nos mercados em geral, principalmente no mercado de crédito corporativo privado. Dado a falta de visibilidade do futuro, os bancos e os investidores se retraíram fortemente, as empresas correram para os bancos para tomar crédito bilateral visando reforçar seus caixas e a demanda maior que a oferta causou uma elevação importante do spread de crédito corporativo para as empresas. Os bancos concediam credito para as empresas de melhor risco de credito (high grade), num prazo mais curto e a conta gotas. Foi um “salve-se quem puder”. Todos os agentes da economia com um olhar de curto prazo sobre os potenciais efeitos da crise. Uma verdadeira histeria coletiva sem precedentes até onde minha memória alcança. A festa parecia que fosse acabar naquele momento. 

Após 3 meses do início da pandemia, uma das crises sanitárias mais graves da  história da humanidade, em que lidamos com o lockdown durante um período extenso até a descoberta da vacina, começamos a perceber que o mundo não acabaria, mas se reinventaria. Os mercados de crédito privado começaram a voltar bem rapidamente, dívidas que foram tomadas num spread elevado e com prazo curto puderam ser refinanciadas com spreads mais honestos e prazos mais longos. Ao longo do 2º semestre de 2020, o mercado de crédito privado já estava fluindo de forma muito parecida ao período antes da pandemia. 

Agora em 2023, vivemos alguns outros choques importantes, um de natureza política com a estarrecedora invasão da Praça dos Três Poderes logo nos primeiros dias de janeiro, imagens lamentáveis de uma sociedade ainda imatura na sua convicção democrática. Por mais incrível que pareça, apesar da gravidade do tema, os mercados reagiram com certa tranquilidade diante da tempestiva reação das instituições, protegendo nosso Estado Democrático de Direito. Entretanto, como se não bastasse todo este tumulto político, algumas semanas depois, deflagra-se um dos maiores escândalos do mundo corporativo da história do Brasil. A tradicional Lojas Americanas anunciou um rombo contábil bilionário e nos faz lembrar o sentimento de fim de festa de março de 2020. 

Mas, afinal, a festa vai acabar? Não, ela nunca acaba… O mercado tem esta característica de exacerbar os movimentos para o bem ou para o mal. Na psiquiatria isso é chamado de bipolaridade. A festa não pode acabar, pois temos um país grande, resiliente, que já encarou diversas crises severas, que se reinventa constantemente, que tem um povo plural e riquezas naturais únicas no mundo. Além disso, tem um sistema financeiro sólido, eficiente e extremamente regulado pelo Bacen. 

Para os gestores financeiros, ficam os aprendizados de que não podemos caminhar no fio da navalha, precisamos de redundância na estrutura de capital e no caixa. A dívida tem que ser longa e não podemos nos dar o “luxo” de ter um muro no nosso cronograma de amortização do endividamento, pois se há uma necessidade de rolagem enquanto a festa está suspensa, game over. Ou pagaremos caríssimo pela rolagem ou, pior, o recurso não estará lá disponível. Logo, precisamos estar atentos para antecipar nossas captações de recursos, independentemente da fonte. Executá-las quando não temos uma necessidade premente. Haverá um prêmio (spread) para carregar este endividamento, sim, mas este seguro parece ser barato se comparado ao risco de inviabilizar a sustentabilidade do negócio quando a festa para.

Mantenha capital circulante líquido positivo (ativo circulante – passivo circulante>0), olhe com lupa o ciclo financeiro do negócio (prazo médio de estoques + prazo médio de recebimentos – prazo médio de pagamentos, quanto menor melhor, pois isso libera capital de giro), não abuse do endividamento (dívida liquida / Lajida superior a 3, sinal amarelo) e mantenha  um caixa mínimo suficiente para suas obrigações de curto prazo, evitando  assim ser “obrigado” a acessar o mercado num cenário adverso.

Enfim, DJ liga o som…

*CFO da Direcional Engenharia e vice-presidente do Ibef-MG

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