É hora de flexibilizar

Tilden Santiago *
Duas semanas antes de o presidente Jair Bolsonaro discursar na ONU, a Folha de São Paulo dedicou duas páginas apontando a possibilidade do atual governo não radicalizar, olhando para o próprio umbigo, mas flexibilizar na análise e em sua atenção na América Latina, voltando a ocupar um lugar de protagonismo na evolução econômica, política e social de nosso continente latino-americano.
Segundo a Folha, um núcleo significativo de militares brasileiros influentes junto com intelectuais da órbita de Olavo de Carvalho, o astrólogo polêmico, transformado em filósofo, pensador e guru do atual governo, vêm defendendo uma mudança do Brasil no atual cenário latino-americano, começando por uma postura diferente, face à Venezuela, governada ou desgovernada por Nicolás Maduro, como queira o leitor, e sua aliada privilegiada e mentora, a Ilha de Cuba.
Esse “escriba” vê, nesse posicionamento, uma luz no fim do túnel para um governo legitimamente eleito, mas que não consegue superar 28% ou 30% de aprovação do “povo brasileiro”, para usar uma expressão muito cara ao saudoso senador Darcy Ribeiro, com quem convivi no parlamento brasileiro, junto com o então deputado federal Bolsonaro, quando juntos entramos na Câmara Federal, eleitos em 1990.
Apesar do discurso radicalizando feito na ONU, Bolsonaro pode muito bem e, a meu ver, deve meditar seriamente a proposta pensada por seus colegas militares e seu ex-guru, Olavo de Carvalho, divulgada na Folha como uma saída para uma inovação nas suas relações com todos os colegas governantes da América Latina. Na arte da política tudo é possível! E o que está em jogo é a Nação brasileira, tanto quanto seu atual governo.
A experiência histórica de nosso continente nos últimos 40 anos nos ajuda a entender a importância e urgência dessa flexibilização do governo Bolsonaro.
No tempo das ditaduras latino-americanas e da submissão total aos EUA, havia uma radicalização de todas as partes. A esse tempo, após as anistias e a distensão sucederam os anos de flexibilização que permitiram um avanço democrático, com mudanças de dirigentes políticos na sua visão e no cerne de suas ações. Hoje essa flexibilização e desenvolvimento recíproco das Nações é uma exigência histórica e salvífica, possível.
É inegável que nossas relações políticas e diplomáticas, pautada pelo espírito democrático e tolerante renovaram nosso continente. Durante esses 40 anos os EUA atenuaram sua postura de aliados prepotentes. Cuba deixou de ser a exportadora de revoluções com radicalização e passou a se relacionar com todos os Estados latino-americanos.
Essa inovação de flexibilização motivou o surgimento de novas lideranças, que, mesmo não sendo revolucionárias, foram altamente representativas de nossos povos: professores, intelectuais progressistas, mulheres, filhos das classes médias, trabalhadores, sindicalistas, servidores públicos, militares, inclusive mulatos e oriundi, indígenas, expoentes da Teologia da Libertação, ex-militantes, dirigentes evangélicos populares e outros. Isso aconteceu especialmente no Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina, Chile, Bolívia, Equador, Colômbia e Venezuela.
A América Latina se beneficiou muito mais no período de flexibilização democrática do que de radicalização absolutista de qualquer natureza: é hora de flexibilizar nas relações política e diplomática entre todos os povos.
*Jornalista, embaixador e filósofo
Ouça a rádio de Minas