E se, de repente…

“Devastador constatar a cultura machista que ainda impera na vida brasileira”. (Luiz Fux, presidente do STF)
Memorável veredicto, ainda que tardio, do STF fulminou o fajuto “instituto da legítima defesa da honra”.
Até recentemente ele era ainda invocado por confessos réus de feminicídio. O fato soou como irresistível convite para que retomássemos a questão das lutas, recuos e avanços em favor da igualdade de direitos entre homens e mulheres na conturbada aventura humana. Artigos aqui estampados abordaram vertentes do inesgotável tema.
Mas eis que surge a decisão da Corte proclamando que a tese é totalmente inconstitucional. Se aplicada, por prática viciada, terá que ser fatalmente anulada.
Já havíamos nos reportado ao voto do relator Dias Toffoli. Os outros magistrados se manifestaram em plenária que apreciou ação interposta por uma agremiação política criticando as absolvições de réus estribadas na machista tese.
O ponto de vista do relator lembrando que o “dispositivo” contribui para a perpetuação da violência doméstica, foi compartilhado por seus pares. Os votos que se seguiram adotaram uma mesma linha de raciocínio.
O ministro Gilmar Mendes votou contra o uso do argumento, tanto pela defesa, quanto pela acusação, como também pela polícia e pelo júri durante a investigação e o processo.
Edson Fachin votou no sentido de se conferir uma interpretação adequada a uma regra existente no júri, de maneira a que a decisão anulatória da segunda instância não venha violar a soberania dos veredictos, nem tampouco impeça a instância superior de definir, conforme as circunstâncias, novo julgamento. “Júri é participação democrática, mas participação sem justiça é arbitrária”, pontuou.
Já o ministro Alexandre de Moraes afiançou que “o STF não pode continuar ratificando o argumento da legítima defesa da honra, que até décadas atrás, era o que mais absolvia homens violentos que matavam as companheiras. Acrescentou que o “falso instituto” não encontra guarida à luz da Constituição de 1988, agredindo os princípios da dignidade, da igualdade, da vida e permitindo a discriminação.
Luís Roberto Barroso anotou que os votos proferidos pela Corte servem para “colocar freio à lastimável e preconceituosa tese, que ainda continua sendo brandida nos tribunais do júri Brasil afora”. Ressalvou a necessidade de se evitar o emprego, ainda que de forma indireta, da cruel tese nas fases dos recursos processuais.
As palavras que se seguem foram extraídas do voto da ministra Cármen Lúcia: “Construiu-se por discurso proferido em julgamentos pelos tribunais e firmou-se como forma de adequar práticas de violência e morte à tolerância vívida na sociedade aos assassinatos praticados por homens contra mulheres tidas por adúlteras ou com comportamento que fugisse ou destoasse do desejado pelo matador”.
O presidente do Supremo, Luiz Fux, considerou devastadora a constatação da cultura machista, misógina, que ainda impera em setores da vida brasileira.
Tudo bem. Depois de se ocupar, nesta sucessão de artigos alusivos à envolvente temática da paridade de gênero, este escriba, infatigável na divulgação de quiméricas interpretações das coisas da vida, sente-se impelido a lançar no ar uma instigante interrogação. E se, assim meio de repente, no dia do Juízo, lá em cima, no instante crucial da prestação de contas dos atos praticados em nossa peregrinação pela pátria dos homens, contemplando o semblante dourado, paternal e compassivo do Todo Poderoso, conservando bem nítida a imagem que Dele fazemos em função de amadurecidas convicções; e se, nessa hora precisa, a gente descobrir, maravilhada, que Deus é mulher? Negra – negra como uma soberba noite estrelada!
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