Opinião

Economia para futuros estadistas

Economia para futuros estadistas
Crédito: Divulgação

José do Egito interpretou bem os sonhos do Faraó há mais de 3.000 anos e se tornou o primeiro grande estrategista econômico da história. Construiu armazéns e silos, no tempo das vacas gordas e estocou grande parte da produção agrícola do país. Quando chegou o tempo das vacas magras, o Egito era o único que tinha fartura em toda a região. Hoje as duas maiores potências econômicas do mundo mantêm estoques reguladores/estratégicos, não apenas de produtos agrícolas, mas também de produtos industriais básicos.

Alguns milênios depois de José do Egito, o grande físico e matemático inglês, Isaac Newton, que fora convidado a presidir a Casa da Moeda, sabendo que um princípio fundamental da matemática é que as unidades precisam de ser estáveis, promoveu a vinculação da libra esterlina a uma quantidade precisa de ouro. Àquela época, em que a economia mundial crescia muito devagar, ele não poderia prever que a quantidade de ouro disponível, apesar de ter vindo a crescer muito, se tornaria insuficiente e inadequada para lastrear a economia mundial futura. Duzentos anos depois, na Primeira Guerra Mundial, os ingleses tinham estaleiros para fazer navios, fábricas para fazer mais armas, as pessoas e o conhecimento para fazer estas coisas indispensáveis para poderem ganhar a guerra. Mas não tinham mais ouro o suficiente para lastrear a moeda necessária para movimentar a economia. O que fazer? Preferiram romper com o dogma estabelecido por Sir Isaac Newton há 200 anos e ganhar a guerra.

A grande queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, gerou uma crise que se alastrou por toda a economia. Tratada ao modo clássico, só se agravou até 1933.  Ao assumir a presidência em março daquele ano, inspirado por Keynes, que certamente se lembrava da solução adotada, com êxito, pelos ingleses na guerra de 1914, Roosevelt começou a proporcionar crédito e emitir moeda em larga escala e conseguiu recuperar a economia e os empregos. Além dos enormes investimentos em todo o Vale do Tennessee, concedeu crédito para a estocagem de produtos agrícolas e também produtos industriais básicos, além de crédito para a construção de novas moradias. Praticamente acabou, com essa metodologia, com o desemprego sem promover inflação. Foi como se os estoques formados funcionassem, não oficialmente, como lastro para a moeda.

O mesmo Roosevelt, assessorado por Keynes e com o apoio de Churchill, promoveu o acordo de Bretton Woods, em 1944. Valorizaram o ouro em cerca de 20% e criaram um entendimento arbitrário de que bastaria ter um lastro/estoque de 40% e não mais de 100% de ouro. Assim a economia americana cresceu rapidamente até a década de 70, com o dólar razoavelmente lastreado. Em 1971, o presidente francês Charles de Gaulle, começou a solicitar a troca de dólares por ouro, em grandes quantidades. O presidente Nixon decidiu então, praticamente dobrar o preço do ouro usado como lastro e, em 1973 houve uma desvinculação completa entre o dólar e o ouro. Assim, o mundo voltou novamente aos tempos pré-newtonianos, em que um princípio fundamental da matemática que diz que toda unidade precisa de ser estável foi desrespeitado. Ganharam e ganham os especuladores e perderam e perdem os produtores e trabalhadores, com essa anomalia; a economia se tornou mais instável e imprevisível.

Tão genial quanto Keynes, o economista alemão Hjalmar Schacht, que salvou a Alemanha da crise inflacionária de 1923 e também da recessão de 1930, chegou a refletir seriamente em criar outra referência que não o ouro, para lastrear a economia criando um marco-centeio. Só não o fez porque considerou o centeio, como produto agrícola, muito instável quanto à sua produção e, consequentemente, aos preços. Não se apercebeu à época, que a moeda pode ser correlacionada a um leque de produtos amoedáveis, estocados em uma estratégia promotora de fartura (lembremo-nos de José do Egito) e que permaneceriam com os preços mais estáveis, enquanto usados como lastro. Importante notar que Hjalmar Schacht, chamado então de o “bruxo” ou “mago” da economia, para recuperar a Alemanha da crise de 30, emitiu títulos, lastreados em ouro, que tinham circulação de troca, como moeda. Com isso, construiu estradas, recuperou o nível de pleno emprego e a economia cresceu. O interessante é que ele tomou de empréstimo ouro americano para lastro, pagando uma pequena taxa. E como garantia para os emprestadores, não retirou dos cofres americanos nem uma única grama de ouro, que ficou todo lá. Esse “bruxo”, que foi ministro de Hitler, escapou da morte no julgamento de Nuremberg porque estava preso quando os aliados invadiram a Alemanha. Estava preso por ter participado de conspiração para afastar Hitler do poder.

Vamos, agora, ao Brasil de hoje. O atual ministro da Fazenda, apesar de não ter ainda conseguido resolver o grave problema humano e econômico do desemprego, cerceado talvez por nossa legislação pétrea e, em uns pontos, obsoleta, deu, agora, um tiro bem no alvo: Está proporcionando crédito acessível aos produtores rurais para construírem armazéns ou silos para estocagem de seus produtos em tempos de vacas gordas, ou seja, de produção elevada e preços baixos. Essa estocagem, além de poder proporcionar fartura, como nos ensinava José do Egito, pode proporcionar lastro para a moeda e crescimento sem inflação para o País, além de dar maior liberdade e poder de barganha a quem produz.

Precisamos de modernizar nossa legislação. O dogma do equilíbrio fiscal, por exemplo, é inteiramente inadequado, promovendo de modo permanente, um desequilíbrio na economia: Quando há desemprego as empresas e as pessoas precisariam de mais crédito e moeda para otimizar os recursos reais, dentre os quais se destacam as pessoas.  Deixá-las desempregadas, além do óbvio desperdício desse recurso, reduz o mercado interno. Os nossos irmãos norte-americanos, por exemplo, vêm dando magistrais pedaladas no que se poderia chamar de equilíbrio fiscal e com isso vêm mantendo a economia a pleno emprego. Seus gigantescos estoques estratégicos ajudam muito a manter a inflação sob algum controle.

Com possibilidade de estocar, os produtores poderão emitir títulos/vouchers, com a chancela de bancos e circulação regional, a fim de que possam, os produtores, dar continuidade à produção. Eles próprios terão interesse em resgatar tais títulos se houver tendência de alta de preços desses produtos a fim de não terem que resgatá-los, no futuro, com um produto que esteja já valendo mais. Essa estratégia levaria a uma maior estabilidade dos preços e a um equilíbrio bem mais estável, com uma moeda lastreada, de fato, num leque de produtos estocados.

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