Edgar Morin, o Indignado (III)

Tilden Santiago*
Neste terceiro e último artigo da série, trazemos aos leitores do DIÁRIO DO COMÉRCIO uma das maiores contribuições do antropólogo, sociólogo e filósofo judaico francês Edgar Morin. Trata-se da obra “Os Sete Saberes para a Educação do Futuro”, leitura obrigatória para os Indignados legítimos, interessados no pensar e agir sobre o mundo.
A convite da Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, Morin foi incumbido de propor e fomentar reflexões, alicerces para se repensar a educação no século XXI. Escritas há duas décadas (1999), tais reflexões permanecem atuais e urgentes, carentes de cidadãos e organizações que as levem à frente, que forcem as portas do futuro.
Como elos de uma corrente do bem – que não prendem, mas impulsionam -, fazemos coro ao notável pensador. Para Edgar Morin, são sete os buracos negros da educação, por espelhamento: sete saberes a se perseguir.
O primeiro diz respeito à questão do conhecimento, fortemente marcado pelo erro e a ilusão. O que chamamos de “verdade”, muitas vezes não passa da percepção de mundo em cada fração da história. ”O mapa não é o território”, já alertava o cientista polonês Alfred Korzybski, pai da semântica geral. Para Morin, este é um problema de todos: devemos ensinar e explorar estes erros e ilusões, desde a mais tenra idade.
Não educamos para o conhecimento pertinente. Neste segundo saber, a ideia do conhecimento não está na multiplicidade ou aprofundamento de cada uma das matérias, mas sim na capacidade de contextualizá-las. É preciso ensinar a pensar, dar a capacidade de se ligar as partes ao todo e o todo às partes. Como exemplo, citamos a necessidade de acelerar o entendimento e prática da chamada Agenda 2030, consubstanciada em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Proposta articulada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em parceria com governos, empresas, sociedade civil organizada e cidadãos.
“Nossa missão não é mais a de conquistar o Mundo… Nossa missão se transformou em civilizar o pequeno planeta em que vivemos”, assim Edgar Morin apresenta o terceiro saber: a questão da identidade humana. Precisamos assumir a noção de homo sapiens, porém, cientes de que não somos meros produtores de ciência ou geradores de lucro. A vida humana é também um jogo, para o qual a própria razão nos convida. Somos, ao mesmo tempo, prosaicos e poéticos, como dizia Holdering: ”Se a prosa não existisse, não poderíamos desfrutar da poesia”.
Compreensão humana, eis o quarto saber onde Morin adverte: “A redução do outro é o que impede a compreensão, a visão unilateral, a falta de inteligência da complexidade humana.” Coloca a questão da incompreensão como o câncer do relacionamento entre os seres humanos. Relacionamento este que pode ser aprimorado pela prática sistemática do bem, da solidariedade, do Voluntariado Transformador.
Incerteza é o nosso quinto elemento. Um jogo já conhecido no campo da física (macro, micro ou quântica) e das ciências humanas em geral. Para Morin, é preciso compreender que não somos a meta da evolução, mas apenas uma parte integrante dela. Nos lembra que nenhuma sociedade antiga sobreviveu, nem mesmo o poderoso império romano: o inesperado acontece, e sempre acontecerá! Isto implica na capacidade de compreender que nossas decisões, presentes ou futuras, podem e devem ser aprimoradas, em cada fase do processo de coexistência.
O sexto aspecto é a condição planetária. Especialmente neste cenário globalizado, era da tecnologia e da informação, da quantidade de dados que não conseguimos sequer processar, quem dirá organizar. Transitamos em alta velocidade, do Big Bang ao Big Data, e isto teve um preço: a globalização dos problemas. Nas palavras de Ortega y Gasset: “Não sabemos o que acontece, é isso o que acontece”. Em resposta, advogamos a necessidade de estabelecer os termos de um Contrato Virtual, da relação entre cada cidadão planetário e a tecnologia: não podemos ficar alheios às questões que interferem diretamente em nossas vidas, especialmente as que limitem nossa capacidade de pensar e agir, complexamente, sobre o mundo.
Por fim, Edgar Morin apresenta como sétimo saber a questão da antropo-ética. Trata-se de uma ética centrada na democracia, porque é “na democracia que o cidadão deve se sentir solidário e responsável”. Morin ressalta o papel e protagonismo das Organizações da Sociedade Civil (ONGs) nesse processo, convidando-as a serem corresponsáveis na missão de educar para uma nova relação indivíduo-sociedade.
*Jornalista, embaixador e sacerdote itinerante (Com colaboração de Rodrigo Starling, cientista político, filósofo e cofundador da ONG Ekopolis)
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