Opinião

EDITORIAL | A faxina atrasada

EDITORIAL | A faxina atrasada
Crédito: REUTERS/Carla Carniel

Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito, que apura a atuação da administração federal na abordagem e enfrentamento da pandemia, em certo momento o ex-ministro Pazuello comentando manifestações do presidente Bolsonaro em redes sociais, defendendo o chamado tratamento precoce, baseado na cloroquina, foi um tanto infeliz. O então ministro, agora assessor especial da Presidência, livre de possíveis aborrecimentos no Exército, parece não ter dado maior importância à questão levantada. Para ele, tudo não teria passado de “política de internet”, o que quer que isso possa significar.

Um presidente que presta contas ou anuncia suas intenções e atos através de notas nas ditas redes sociais, deixa entender que talvez não perceba a verdadeira importância da posição que ocupa. Um ponto em si delicado e tanto pior quando Pazuello, indagado sobre o assunto, responde, singelamente, que “isso deve ser coisa de internet”. Entenda-se o sentido claramente diminutivo da frase, confirmando o papel reservado à internet e, especificamente, às redes sociais, em parte transformadas em deletério sistema de desinformação, quando não de mentiras mesmo, infelizmente entendidas – e este não é um fenômeno apenas brasileiro – como ferramentas legítimas de fazer política. E se não bastasse a inconfidência de Pazuello, dias depois anunciou-se que verbas oficiais, destinadas a propaganda, continuam chegando, e aos milhões, às páginas, blogs etc. que procuram vender a, digamos, realidade paralela.

Em qualquer tempo ou circunstância este é assunto de extrema delicadeza e motivo de preocupação quando sabemos, ao mesmo tempo, que as eleições presidenciais se aproximam, sem que nenhum controle eficaz esteja disponível, enquanto o presidente da República, que não raro afirma que o sistema brasileiro de votação é sujeito a fraudes, mas, como de costume, não vai além da suposição, chega ao absurdo de afirmar que não haverá eleição se não houver voto impresso. Ao mesmo tempo deixa no ar a questão levantada por seu hoje assessor direto, como se “coisas da internet”, no sentido apontado na CPI, fossem palatáveis.

Se existem ameaças à integridade das eleições presidenciais de 2022, nos parece claro que o perigo não são as urnas eletrônicas, as mesmas que serviram para eleger o atual presidente, mas sim a internet e seus vários tentáculos, canais ilegítimos de uma política igualmente ilegítima, cuja existência o ex-ministro Pazuello, inadvertidamente claro, confirmou.

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