EDITORIAL | Cegueira coletiva

A gestão pública no Brasil, apesar das dificuldades que se avolumam em nível sem precedentes, continua dando mostras tanto de descompromisso quanto da mais completa alienação com relação à realidade. Não é preciso falar da pandemia e da funesta previsão de que o País pode chegar a meados do ano com o registro de meio milhão de mortes, o que só não acontecerá se houver verdadeiro milagre no avanço do processo de vacinação. Não é preciso recordar que o Executivo tornou-se refém de sua debilidade política ou apontar que, previsivelmente, a economia não reage. Tudo isso e mais uma dívida interna que cresce exponencialmente, alimentada por um Estado gordo, gastador e esbanjador.
Este não é um julgamento político, apenas a visão objetiva dos fatos, num balanço que entristece e preocupa, sobretudo quando se constata a repetição das piores práticas ou que a prometida nova política envelheceu muito rapidamente. O que mais dizer, afinal, diante do anúncio de que a Câmara dos Deputados acaba de reajustar de R$ 50 mil para R$ 135,4 mil o valor destinado ao reembolso de despesas relativas à assistência médica para parlamentares e seus dependentes, um aumento portanto de 170,8%. Um abuso, para não definir com tintas mais fortes o que se passa, tão injustificável quanto intolerável. Para piorar, o valor se refere ao reembolso de procedimentos não cobertos por um já generoso plano de saúde.
Singelos, convencidos talvez de que realmente habitam outro planeta, os senhores deputados explicam que o reajuste se tornou necessário porque a inflação média supera os índices oficiais de inflação. Fácil constatar, mais fácil ainda resolver quando o dinheiro não sai dos bolsos dos beneficiários e sim de contribuintes, que, evidentemente, nem de longe têm as mesmas regalias, embora como regra enfrentem dificuldades exponencialmente maiores. Como explicar, por exemplo, o valor da mais do que nunca esmola oferecida, na forma de ajuda emergencial, a parcela dos brasileiros que estão abaixo da linha da pobreza?
Ou como ignorar que, de uma forma ou de outra, estas despesas – não raro bastante duvidosas – acabam por agravar ainda mais o desequilíbrio fiscal e não levam em conta que o País chegou ao mês de abril sem orçamento para o ano, situação que, pelo menos no domínio das formalidades, coloca a gestão pública sob risco de paralisação, além de representar riscos diretos, sem que se façam as correções devidas, para os signatários da peça orçamentária, inclusive o presidente da República.
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