EDITORIAL | Confiança exagerada

Embora tenha ainda três dias, ou quatro, para fazer mais que os acertos finais do terno que usará na posse, o presidente Lula a rigor subirá – e pela terceira vez, feito que não tem precedentes – a rampa do Palácio do Planalto sem que possa dizer que levará debaixo do braço um projeto para os próximos quatro anos. Idealmente, não exatamente um projeto de governo, feito de acomodações e conveniências, mas sim um projeto de Estado, permanente, apontando aonde chegar e como chegar, evidentemente validado pela maioria dos brasileiros.
O que pode ser visto, ouvido ou percebido até agora, passa bem distante desse ideal. Se existem variações, com relação a práticas passadas, não será preconceituoso ou exagerado afirmar que são irrelevantes. Como se não houvesse, de parte da cúpula que está prestes a assumir o governo ou do grupo convocado para produzir uma espécie de rascunho do que serão os próximos quatro anos, a melhor compreensão dos problemas que estão pela frente, por certo fruto de erros que precisam ser corrigidos. Com relação às finanças, um dos pontos críticos, o balé político dos últimos meses ajudou a providenciar arranjos capazes de garantir socorro aos miseráveis e alguma margem extra para gastos que, se não pudessem ser realizados de pronto, implicariam na paralisação de alguns serviços essenciais.
Não se pode admitir que a ideia seja ir esticando esta corda enquanto for possível e é esta primeira constatação que nos leva a uma outra, que estamos ainda diante de um vazio de ideais, se não do medo de enxergar o problema e encará-lo. Curioso, no mínimo, tentar imaginar, como os gestores públicos que estão se preparando para assumir seus postos pretendem lidar com um caixa esvaziado mas que de alguma forma deve continuar sustentando um Estado gordo e pesado, ainda agora onerado pelos aumentos de vencimentos concedidos aos marajás da República mas que carrega junto um efeito cascata beneficiando, mais ou menos, a todos e todas. Ninguém explica, poucos tocam no assunto, mas o fato é que o buraco, de onde não há o que tirar, vai sendo cavado mais fundo.
Resumindo, o governo que chega não tem um projeto pronto e acabado, menos ainda alguma coisa que possa tirar das mangas. E como não pode também dizer que não sabia exatamente onde está se metendo, inclusive com relação aos maus humores que parecem inevitáveis, assusta também que não tenha dito em nenhum momento que cortar despesas, cortar para valer e a fundo, por exemplo, acabando com os “penduricalhos” que vêm do passado e passaram ilesos pelo governo que termina e que, somados, representam tanto a farra dos marajás quando parte substancial do desarranjo das contas públicas.
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