Opinião

EDITORIAL | Construção da miséria

EDITORIAL | Construção da miséria
Crédito: Marcello Casal Jr/Agencia Brasil

O Haiti figura entre os países mais pobres do mundo e seu futuro parece ter sido apagado pelos efeitos permanentes da miséria que priva a população local de mínimas condições de vida. Seu passado, muito mais que a desagregação política ou a corrupção, explica seu destino. Uma história de que poucos têm conhecimento por conta dos esforços para apagá-la, desde a primeira rebelião bem-sucedida de escravos no distante ano de 1791 e a declaração de independência em 1804. De colonização francesa, a então Saint-Domingue ganhou algum destaque com a produção de café, que ajudou a construir fortunas do outro lado do Atlântico, na França especialmente, situação que não se alterou com a independência.

A rebelião dos escravos e a posterior independência eram mau exemplo para os países escravagistas e colonialistas que tudo fizeram para apagá-la, inclusive no Brasil onde o fato da população negra, escrava, ser maior que a branca, implicava riscos que, percebidos, se transformaram em medo e reações extremas. Enquanto isso o Haiti independente para sustentar sua condição fez acordos com a França, pagando pela independência com indenizações cujo valor, se atualizado, passaria dos US$ 500 milhões. Pior, conforme demonstram estudos recentes publicados pelo The New York Times, se o capital tivesse permanecido no país teria rendido ao Haiti US$ 21 bilhões.

Em termos objetivos, a exploração prosseguiu e foi agravada. Tudo em arranjos como o que foi feito com o banco Credit Industriel et Commercial, que financiou a dívida haitiana que continuou sendo paga até o século 20, numa engrenagem bem movimentada pelas potências da época, gerando ganhos  que levaram ao surgimento do Citigroup, sustentados, adiante, com a invasão e ocupação do Haiti pelos Estados Unidos. Um exemplo dramaticamente cruel e ao mesmo tempo bastante esclarecedor para quem desejar compreender, mais amplamente, as disparidades econômicas que permanecem e se agravam.

O mesmo The New York Times aponta que se os haitianos não tivessem pagado tanto dinheiro às famílias de seus antigos senhores, caso único no planeta, e aos bancos e investidores franceses, indenizados pela rapina que patrocinaram, sua renda atual poderia ser pelo menos seis vezes maior, valor equiparável ao da República Dominicana. São dados bem documentados, inclusive com recibos de algumas das transações realizadas, e bastantes para cobrir de vergonha os patrocinadores dessa rapina. Quem sabe para tocar consciências, induzindo mudanças que nunca bastarão como reparo pelo mal que foi feito, mas podem significar pelo menos que o futuro será melhor para eles.

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