EDITORIAL | Conversa indigesta

Em sua recente viagem a Portugal, o presidente Lula voltou a afirmar que as taxas de juros praticadas no País são, hoje, além de insuportáveis, a principal barreira à retomada do crescimento econômico. Tomar crédito ou investir nas condições que se apresentam é impraticável, emendou. Na mesma linha, têm sido frequentes as manifestações do vice-presidente Geraldo Alckmin, bem como do presidente do Congresso Nacional para não falar do ministro da Fazenda ou de ministros da Suprema Corte. E todos fazendo coro com os mais destacados líderes empresariais, também contrários às restrições que os sufocam. Na contramão, isolado, mas forte, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que se vale da autonomia do BC para um comportamento arrogante, contra tudo e contra todos, garantindo ser este o melhor remédio para controlar a inflação.
Encontramo-nos diante de uma situação, no mínimo, bastante curiosa. A questão da autonomia do Banco Central deixou, faz tempo, de ser técnica para se transformar em mais uma das querelas políticas que o País enfrenta e não é capaz de se livrar. Ser contra ou a favor passou a ser algo que, para alegria exclusiva do tal “mercado soberano”, diz respeito ou reflete inclinações políticas e ideológicas, sem qualquer espaço para o que dita a razão. Ou a própria lógica da administração pública, ao gerar uma espécie de poder paralelo que, para piorar, dá demonstrações de estar mais identificado com o grupo derrotado nas eleições de outubro passado.
Desconfianças à parte, o ponto a ser remarcado é o posicionamento do empresariado, também sabidamente pouco alinhado com o governo atual, que reclama dos juros, diz que não tem como suportá-los, pede mudanças, mas, ao mesmo tempo, dá sinais muito claros de alinhamento – político exclusivamente – com Roberto Campos Neto e a ideia de autonomia do Banco Central. Como se não entendesse que o limite dessa autonomia é e sempre será a vontade da maioria, não fazendo sentido que possa existir na democracia uma força maior que aquela representada pelos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário.
Mais que qualquer decisão que deveria estar nos limites da administração pública, com foco único no melhor a ser feito, este é o ponto que a essa altura mais recomenda atenção. Talvez a partir de uma pergunta bastante elementar. Trata-se de apurar quem, afinal, ganha com as restrições que de longa data não fazem mais que empobrecer o País, com a falsa desculpa de representar o melhor remédio para debelar a inflação. Depois de tanto tempo e reconhecido insucesso, por certo que não cabe mais o argumento enquanto apontar para o lado de quem ganha não é nada difícil.
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