EDITORIAL | Crise trará mudanças

Num ponto futuro, ainda indefinido, quando a pandemia provocada pela coronavírus for vencida, passará ao primeiro plano a tarefa de reconstruir uma economia devastada.
Quem pensa a respeito constata que não será fácil, mas espera que possa ser a oportunidade para grandes mudanças, direcionadas para a construção de um sistema econômico mais equilibrado, menos concentrado, com as diferenças agora desnudadas abrindo espaço para mais racionalidade e, num sentido verdadeiro, mais eficiência.
Significa mudar muito, significa para alguns abrir mão de poder e seus privilégios, mas pode significar também a chance de menos riscos e menos instabilidade.
Algo muito diferente da atualidade, em que a especulação financeira é protegida e estimulada, num modelo claramente artificial, com menor geração de riquezas, de oportunidades de trabalho e maior concentração da renda.
Em larga medida foi por conta desse modelo, em que a produção industrial chegou a ser vista como atividade bruta e suja, enquanto produzir inteligência e conhecimento passaria a ser a atividade mais nobre, reservada aos países hegemônicos. O modelo, em que países como os Estados Unidos enxergavam seu futuro, claramente não funcionou, mas certamente ajudou a abrir espaço para o crescimento da China e da Índia. Mudança radical e arriscada nos mostra agora a pandemia, com o mundo inteiro correndo atrás desses dois países.
O primeiro concentrando, por exemplo, a produção de respiradores que para centenas de milhares de pessoas poderão significar viver ou morrer; a Índia dominando a produção de drogas, que são a base para a oferta de medicamentos.
Criou-se uma dependência que, além de muitíssimo arriscada tanto econômica quanto estrategicamente, representa em termos práticos exatamente o contrário do que se imaginava com a globalização, fundada na colaboração e na complementaridade.
Agora, confrontados com a incômoda realidade e uma crise sem precedentes, surge a percepção dos erros cometidos, dos quais resultou um desequilíbrio estrutural e o fim da ilusão de que o bom empresário deve comprar ou produzir onde encontrar as melhores vantagens.
O colapso de Detroit nos Estados Unidos, cidade que foi a meca da produção de veículos, tem muito a ver com estes conceitos ou com a crença dos próprios norte-americanos, nas alturas dos anos 70 no século passado, de que esta era uma indústria de segunda classe, de baixo retorno, a ser transferida para os países periféricos.
Cabe esperar e acreditar que tudo isso tenha sido bem compreendido e que a virtual reconstrução a ser iniciada em breve tenha em conta a realidade e, portanto, compreensão das mudanças desejáveis.
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