EDITORIAL | Desarmar a arapuca

O sistema político brasileiro, em torno do qual vai sendo construída uma ainda frágil democracia, resulta, historicamente, de uma série de arranjos que costumam ser apresentados como consequência, louvável, de uma tendência coletiva à acomodação e à conciliação. Conflitos, quando existiram e foram mais acerbados foram também convenientemente removidos das páginas da história. Foi assim, para não viajarmos muito no tempo, na redemocratização, também chamada de abertura, depois de duas décadas de ditadura militar.
Este arranjo, como os anteriores, apenas reacomodou os protagonistas da vida política nacional, sendo bastante lembrar que o primeiro presidente civil foi também o presidente do partido construído exclusivamente para dar ares de legitimidade ao regime anterior. Mais um daqueles casos em que se pode afirmar que foi o mesmo que mudar para não sair do lugar.
Era a ideia, louvável e construída sobre pilares adequados, da busca de harmonia e entendimento, um barco capaz de receber tudo e todos, tratando de acomodá-los como possível. Foi assim e não se pode dizer que foi uma experiência satisfatória, principalmente porque as etapas que deveriam suceder o primeiro movimento, principalmente a reforma política, não se cumpriram, deliberadamente deixadas de lado porque aí, sim, poderia ocorrer um rompimento nada interessante, não pelo menos na perspectiva das forças controladoras do poder. Assim permanece o País, submetido a um sistema pluripartidário, que pelas suas proporções inviabiliza qualquer coalisão efetiva e, consequentemente, a governabilidade.
Nada diferente do que ocorre presentemente, faltando poucos dias para eleição presidencial, em que poderá ocorrer vitória de um dos candidatos ainda no primeiro turno. Eis que em Brasília já foram percebidos sinais de que integrantes do bloco majoritário no Legislativo, que acompanham o candidato da situação, Jair Bolsonaro, estariam acertando uma mudança de rota, caso seja confirmada a vitória de Lula. Seriam conversas de bastidores evidentemente e se intensificam de forma discreta, mas fundada na certeza de que o vitorioso terá como primeira grande tarefa negociar sua base parlamentar.
Sobram duas conclusões. A primeira, de que o núcleo do poder real, com seus métodos, não será tocado, independentemente do que aconteça domingo. A segunda, a importância, mais que nunca, de que os eleitores saibam escolher seus representantes, assim ajudando a derrubar a arapuca em que eles próprios estão presos faz tempo.
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