EDITORIAL | Diplomacia é outra coisa

Embora tenha se limitado aos rapapés próprios dessas ocasiões, não faltando coroa de flores no túmulo do soldado desconhecido, a recente viagem do presidente Bolsonaro à Rússia, com retorno convenientemente antecipado por conta das chuvas no Rio de Janeiro, continua por ser mais bem explicada. Na visão do visitante, que não perde chance de criticar o socialismo e os próprios russos, já que os enxerga num outro tempo, tratava-se de estreitar laços comerciais, estratégia sempre conveniente mas um tanto esquecida nos últimos anos. E difícil, se não impossível, imaginar que seu anfitrião, às voltas com a questão da Ucrânia, cuja invasão serviços secretos ocidentais davam como certo para ocorrer justamente nos dias da visita, tivesse cabeça para pensar em outra coisa, se não seus próprios problemas.
Cumpriu-se o ritual, como foi dito acima, mas continua sendo difícil entender o que se passou e, mais ainda, o que pode resultar da longa viagem.
Tudo isso e mais, para os brasileiros, o incômodo da “solidariedade” de Bolsonaro aos russos, movimento que imediatamente fez soar alarmes em Washington, que evidentemente na melhor das hipóteses esperava neutralidade dos brasileiros. O incômodo foi imediatamente assinalado, cabendo lembrar que já não existia a mínima simpatia como relação ao “amigo de infância” de Donald Trump, e último chefe de Estado a reconhecer o resultado das eleições passadas. Nesse quesito, até o próprio Trump saiu na frente.
Do lado de cá do Atlântico, em Brasília, comenta-se que a intempestiva viagem, desaconselhada pela própria diplomacia brasileira, teria sido na verdade mais um movimento eleitoral do presidente. No caso, na ilusão de que estaria demonstrando sua incursão nos grandes palcos da política internacional, daí a insistência num encontro próximo, tête-a-tête, e o assumido pavor daquela enorme mesa em que Putin costuma receber convidados.
Em síntese, mesmo com a aparência de falta de consequências, a atitude errada no momento errado. À diplomacia brasileira não interessa, ou não deveria interessar, alinhamentos submissos, seja com quem for. Temos sim que saber cultivar independência e autonomia que confira ao Brasil liberdade de movimentos para buscar oportunidades comerciais onde quer que elas possam estar. Uma construção difícil, mas fundamental, sobretudo depois de tantos erros cometidos, praticamente destruindo a boa reputação da diplomacia brasileira e mergulhando o País, na perspectiva internacional, num limbo do qual é delírio imaginar que possa sair com aventuras como a da semana passada.
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