EDITORIAL | Discurso sem nexo

O presidente Jair Bolsonaro, que chega à metade de sua gestão, prossegue cultivando hábitos que estão distantes do que recomenda a chamada liturgia do cargo. Um deles, que em diversos momentos lhe custou inconvenientes, é a informalidade de seus encontros, todas as manhãs, no portão do Palácio da Alvorada, com grupos de partidários, na realidade quase uma claque. Nessas ocasiões o presidente da República costuma fazer declarações absolutamente impróprias, como aconteceu na última terça-feira quando disse para quem quisesse ouvir que o Brasil está quebrado e ele, presidente, não pode fazer nada. Como de hábito, soltou a bomba, criticou a imprensa e seguiu caminho, aparentemente sem se dar conta do peso e possíveis consequências de suas palavras.
Diante das repercussões imediatas e pesadas o ministro da Economia, Paulo Guedes, mais uma vez teve que atuar como bombeiro, procurando relativizar as palavras do presidente. Para ele, a fala, em momento e local inadequados, teria sido não mais que referência às limitações impostas pelo teto de gastos, a regra que contém o crescimento das despesas públicas. Não é o que pensam economistas de renome, alguns políticos e empresários. Os críticos assinalam que, para o País, que depende de investimentos e de parcerias, a mensagem é péssima, podendo produzir efeitos danosos e desnecessários, dando impulso a uma perda de confiança que viria em péssima hora.
A economista Helena Landau indaga o que nossos credores vão imaginar quando o próprio presidente da República revela que o País quebrou, portanto perdeu condições de pagar o que deve. Já o também economista Raul Velloso recomenda que alguém diga ao presidente que nenhum país em emergência quebra, muito menos o Brasil que não depende do dólar para financiar sua dívida. Já Juliana Damasceno, pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV), aponta para o elementar: só seria possível dizer que o País quebrou depois de esgotadas todas as possibilidades de solução para o problema fiscal, o que não ocorreu.
Faltam propostas, lembra a pesquisadora, que dariam fôlego às contas públicas, como a revisão de incentivos fiscais, reformulação de programas sociais, reforma administrativa, privatizações, correções no teto de gastos e outras medidas de ajuste.
Para concluir, uma receita já bem conhecida e, coincidentemente, quase toda ela contida no cardápio da campanha eleitoral do candidato vitorioso em 2018.
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