EDITORIAL | Esquecer será pior

Reações ao resultado da eleição presidencial eram esperadas, seja por conta da polarização entre as duas candidaturas, evidenciada até a contagem final, seja como resultado do processo alimentado durante os últimos quatro anos, visando desacreditar o sistema eleitoral. Assim, o que foi visto durante a semana pouco teve de natural ou espontâneo, bem ao contrário. Em questão de horas, a partir da segunda-feira, mais de trezentos pontos em rodovias federais em 21 estados brasileiros foram bloqueados e não há como imaginar que isso possa ter sido feito sem uma logística muito bem preparada e, evidentemente, com antecedência, indicando que a ação consequente, além de criminosa, foi também premeditada. Falta saber, e este é ponto essencial para que não fique tudo por isso mesmo, como e por quem.
Mera observação, propiciada pela cobertura jornalística e imagem geradas, fornecem algumas pistas bastante significativas. Em primeiro lugar, os grupos não eram grandes, longe disso, parecendo contar sempre com apoio bem estruturado, desde a formação de barricadas até o fornecimento de alimentação. Nada que possa ser tido como natural e espontâneo ou tão somente frustração. Da mesma forma, na sequência, as manifestações diante de guarnições militares, ofendidas inclusive com saudações nazistas conforme aconteceu em Santa Catarina, onde também não faltaram apelos à intervenção militar, falsamente sustentados por dispositivo que não existe na Constituição.
Outro ponto muito significativo a ser observado é que as entidades representativas dos caminhoneiros não endossaram o movimento, pelo contrário, afirmaram que nada tinham a ver com o que se passava. Outros elementos, inclusive recolhidos no trabalho jornalístico já divulgado, sugerem que parte dos caminhoneiros, muito provavelmente a maioria, foi coagida a permanecer parada nos pontos bloqueados, enquanto de início forças policiais pareciam não mais que espectadores, para não dizer simpatizantes. Cabe registrar, por último, que o presidente Jair Bolsonaro, o guardião maior da Constituição que uns poucos pretenderam rasgar, precisou de quatro dias – de reflexão? – para se manifestar e só então condenar o movimento, pedindo seu refluxo com o argumento de que o direito de ir e vir não pode ser agredido.
Resta esperar agora que tudo não fique por isso mesmo e que, ao contrário de ocasiões anteriores, tudo seja esquecido, varrido para debaixo dos tapetes da conveniência mais imediata. Diante de crimes tão graves e acintosos, cabe também lembrar que a impunidade será o melhor dos convites para que sejam repetidos, fazendo todos os brasileiros reféns de situação que não se pode tolerar.
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