EDITORIAL | Monumento à burocracia

Por pouco poderia ter sido um acidente de grandes proporções, além de inédito, a colisão do navio São Luiz, ou o que dele restou, com um dos pilares da ponte Rio-Niterói. Mas foi uma advertência para os riscos da transformação da Baía de Guanabara num grande cemitério de embarcações, onde estima-se que entre 80 e 100 delas estão abandonadas, consumidas pela ferrugem e depredadas.
Tudo isso representa risco para a navegação – 10 mil embarcações transitam na área anualmente –, além de danos ambientais e prejuízos econômicos. Em muitos casos, como do São Luiz, um navio de 200 metros e capacidade para transportar 42 mil toneladas de grãos, de construção relativamente recente, mas objeto de demanda judicial que o mantém retido desde 2016. Hoje, somente os custos da permanência no local superam em muito o valor da embarcação.
Algo despropositado, sem o menor sentido, seja qual for o ponto de vista a partir do qual seja examinado. E nada essencialmente diferente do que aconteceu com as frotas de aviões das extintas Varig, Vasp e Transbrasil, sem contar outras empresas menores, que valiam centenas de milhões de dólares, mas, abandonadas em diversos aeroportos do País, acabaram sendo vendidas como sucata. Ou acontece em qualquer cidade de médio porte ou maiores, nos depósitos de veículos apreendidos, também abandonados até virarem sucata. Nesse rol ainda podem ser incluídos imóveis, tudo somando prejuízos que não se pode calcular, mas que são bastante grandes.
Resumindo, um retrato bastante fiel do que significa no Brasil a burocracia, para a qual não parece existir mínima diferença entre um navio de 200 metros ou uma motocicleta de baixa cilindrada. Deveria e poderia ser bem diferente, seja no que diz respeito a bens apreendidos por força de medidas judiciais, seja no caso de abandono puro e simples, como veículos que apodrecem ocupando vias públicas, mas não podem ser removidos devido a entraves legais. Que a ocorrência mais recente e de maior potencial de risco sirva para acordar aqueles que, adormecidos, não se dão conta do que acontece, das proporções de absurdo tão escancarado quanto constante.
Reclama-se mais agilidade e menos burocracia, com mudanças na legislação se necessário, de forma que possam ser reduzidos ao mesmo tempo riscos e prejuízos. Nada que seja difícil, nada que não possa ser feito para limpar a Baía de Guanabara ou impedir que bens de grande valor sejam perdidos, apenas engordando também a conta de prejuízos das partes. Felizmente o acidente na ponte Rio-Niterói foi apenas um susto, então que seja também uma advertência a ser considerada mais a sério.
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