EDITORIAL | Não é hora de lagostas

A julgar pelos incômodos causados pela indicação do desembargador Kassio Nunes para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, a escolha foi boa e, dizem, apressada para driblar setores que já se consideravam donos da vaga, como a bancada evangélica. O escolhido, que não apareceu em nenhuma das listas que circularam nas últimas semanas, é abertamente apontado como um azarão na corrida pela vaga. E chega, se confirmado na sabatina do Senado, com predicados que alguns de seus futuros colegas já assinalaram, além de apontado como um dos desembargadores federais mais produtivos entre seus pares, com uma média de 600 decisões por dia.
Até agora dono de uma das cadeiras no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o recorde do futuro ministro, tecnicamente uma quase impossibilidade e com certeza uma sobrecarga que, considerada a importância de suas decisões, não faz sentido, ajuda a reforçar a defesa da abertura do TRF 6, que teria sede em Belo Horizonte, melhor distribuindo a carga de processos e agilizando sua tramitação, argumentos mais que óbvios mas que, segundo relatos vindos de Brasília, estaria encontrando resistências fortes no Senado. Ali parece prosperar o lobbies dos interesses contrariados com o previsto e há muito reclamado desdobramento.
O pretexto, falso, aumento de gastos em momento que recomenda exatamente o contrário, nos leva de volta ao ministro indicado, já acusado de petista e até de comunista, enquanto outros preferem lembrar que foi ele quem liberou a compra de vinhos finos e lagostas, além de outras iguarias, para alimentar as dispensas do Supremo. Sobre o assunto, que ganhou espaços na imprensa, também se manifestou o presidente Jair Bolsonaro, que, depois de perguntar qual o problema de comer lagostas, emendou com um “quem pode come, quem não pode não come”. Como já foi lembrado, a questão não é quem come, é quem paga.
A diferença é absolutamente fundamental e dela o presidente deveria ter se dado conta, sem precisar transformar em piada de mal gosto as promessas – que não foram só dele – de, se necessário, cortar na própria carne. Sim, um país tecnicamente quebrado, sem recursos até para despesas essenciais e dono de um déficit que este ano ficou quase dez vezes maior que o estimado, absolutamente não tem por que servir lagostas a quem quer que seja.
Resumindo, e concluindo, importa menos que o futuro ministro tenha garantido o banquete e sim que o presidente da República não tenha entendido que lagostas também ajudam a cavar o buraco em que o País foi enfiado.
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