EDITORIAL | Num beco sem saída

Faz tempo, bom tempo, mas quem tem memória ainda se lembra da primeira campanha presidencial de Fernando Henrique Cardoso, surfando no sucesso do Plano Real, de cuja paternidade tenta a todo custo se apropriar. Ele dizia, e estava coberto de razão, que a estabilidade monetária não era um fim em si mesmo, apenas ponto de partida para reformas estruturais, política, administrativa, tributária, previdenciária e trabalhista.
Para cada uma delas o então candidato mostrava um dos dedos da mão. Eleito e mordido pela mosca azul do poder, ele próprio pediu que esquecessem tudo que havia dito e escrito, fazendo de seu maior objetivo a conquista de um segundo mandato, via reeleição que até então não era permitida.
Estas manobras custaram e ainda custam caro ao País, condicionando os 25 anos seguintes, com o Brasil virtualmente paralisado – na realidade involuindo – por projetos políticos sem nenhum conteúdo e muita ambição. Fato é que continuamos discutindo reformas que não acontecem, barradas por um sistema político pluripartidário que se revelou disfuncional, representado por mais de trinta partidos que, a sério, não têm ideologia, programas ou propostas, num sistema enviesado de alianças que igualmente custam muitíssimo caro.
Quem prometia fazer diferente, quem se apresentava como o oposto da realidade dominante acabou vitorioso mas, empossado, não demorou a perceber que a própria sobrevivência, sem contar a perspectiva de um segundo mandato, dependeria de sua aliança à velha política e a seus métodos tão conhecidos quanto consagrados. Um entendimento apenas de aparência e conveniência, apesar de o País estar atravessando uma das mais graves crises de sua história e a corrupção prossiga à luz do dia, hoje em parte cruelmente alimentada justamente por recursos que deveriam ser destinados ao combate à pandemia.
Enquanto isso, Executivo e Legislativo discutem uma mirrada reforma tributária, com o primeiro assegurando que não haverá aumento da carga tributária mas sem oferecer qualquer explicação sobre como enfrentará os desafios da recuperação da economia.
A rigor, aos olhos do bom observador, nada que seja realmente novo, que nos permita enxergar pelo menos o esboço de um projeto para o País, de uma resposta aos milhões de desempregados, à crescente parcela da população situada abaixo da linha da pobreza, aos milhares de empresários que fecharam suas portas por desesperança ou falência, à população jovem, a cada novo dia mais numerosa, que não estuda e não trabalha. Triste destino.
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