EDITORIAL | Números mentem

Brasília encerrou a semana que passou com boas razões para comemorações nos círculos oficiais. E a festa fica por conta do anúncio da Receita Federal, dando conta de que a arrecadação no ano passado chegou a R$ 1.878 trilhão, valor nunca alcançado anteriormente. Melhor ainda, o número anunciado de 17,36% sobre o ano anterior, desempenho de fazer inveja até aos chineses, sobretudo depois que o secretário da Receita apontou entre os fatores determinantes do sucesso verificado o processo de recuperação da economia em 2021, aproveitando a ocasião para antecipar que os resultados no exercício corrente serão ainda melhores.
Quem não pisa nos tapetes oficiais enxerga diferente e trata de alertar seus ouvintes, caso da economista Juliana Damasceno, da Tendências Consultoria. Segundo ela, não há o que comemorar simplesmente porque a melhoria apontada não passou de consequência esperada da alta da inflação e da desvalorização cambial, com impacto negativo para o contribuinte e, para o fisco, a ilusão de ganhos excepcionais, sobre os quais não se pode afirmar nem mesmo que serão mantidos no ano em curso. Também pesam fatores como o baixo crescimento da economia, com a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) devendo ficar abaixo de 1%, enquanto a economia, já bastante pressionada, não tem como escapar das dores da elevação das taxas de juros, que este ano serão sentidas mais fortemente que em 2021.
Entendido o que se passa, compreendido o mistério de crescimento chinês da arrecadação com a economia bem próxima da estagnação, repor as coisas nos seus devidos lugares é essencial para que a gestão pública, contaminada pelos temperos de um ano eleitoral, não se permita novos e maiores desatinos, fiada na ideia enganosa, mentirosa, de que vai tudo bem, que arrecadação recorde pode significar mais flexibilidade nas despesas.
O anúncio da semana passada, coincidindo com novo apelo do ministro Paulo Guedes por moderação, agora sugerindo que o Portal da Transparência registre não apenas contratações, mas igualmente as respectivas indicações e padrinhos, pode muito bem fazer parte desse pacote, deixando bem aquecidos os fornos da gastança. Supondo que o presidente da República saiba de tudo isso e, portanto, não ignore o que virá depois, talvez não seja exagerado imaginar, que já falou do “abacaxi” que recebeu, a estas alturas possa estar agarrado com seus santos, pedindo que as pesquisas de opinião sobre a eleição de outubro não estejam erradas.
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