EDITORIAL | O instinto de sobrevivência

Dia desses a televisão exibia, em programa jornalístico, uma jovem senhora, que se declarou advogada e informou que abandonara a profissão para se preparar para concursos públicos. Segundo ela, em busca de estabilidade, segurança e outras vantagens. São milhões de brasileiros que pensam e agem da mesma forma, buscando abrigo nas asas quase sempre generosas do Estado, situação da qual resultou um inchaço que, além de não ser justo e não fazer sentido, não tem mais como ser suportado, sendo tido como certo que, mantidas as condições atuais, os recursos públicos não serão suficientes para pagar funcionários ativos e inativos. Esta semana, em visita ao Congresso, o ministro Paulo Guedes, da Economia, voltou a tocar no assunto. Segundo ele, houve excesso de contratações nos últimos anos acompanhado de uma forte alta de salários, situação que não há como ser suportada, na União, nos estados e nos municípios.
No que toca à sua esfera de atuação, diz o ministro Paulo Guedes que a estratégia é, primeiro, parar de contratar e, nessa linha, também suspender pelos próximos anos os concursos públicos, o que na prática significaria um ajuste natural, segundo o ministro sem brigas e sem custos extras. A informatização e a automatização são outras estratégias cogitadas e Guedes revela, como sinal de alívio futuro, que as estimativas indicam que nos próximos quatro ou cinco anos 40% dos funcionários públicos deverão se aposentar e, tanto quanto possível, não haverá substituição. No campo da teoria e para quem sabe que o Estado brasileiro está quebrado e carrega um peso que não tem mais como suportar, tudo isso faz sentido, embora seja prudente não esquecer, na nossa realidade, que a distância entre a teoria e a prática costuma ser grande, às vezes inalcançável.
Fossem outras as circunstâncias e os problemas que o ministro da Economia aponta, que não podem ser contestados, não existiriam, assim como muito provavelmente não existiria a indústria de concursos públicos, que atrai centenas de milhares de pessoas, todas, ou pelo menos a maioria, procurando exclusivamente a sombra amiga e relativamente confortável do Estado. E faltaria saber se Guedes e sua equipe combinaram com os russos, lembrando a pergunta atribuída ao famoso jogador Garrincha, depois de instruído pelo técnico Feola sobre como enfrentar seus adversários. No caso, convém ter em mente que o inchaço descrito tem sido nutrido também, décadas a perder de vista, por políticos que fizeram da distribuição de empregos públicos uma de suas armas eleitorais. Vencer estas barreiras não será nada fácil, assim como não está sendo fácil vencer a barreira dos que se opõem à reforma da Previdência, contra todas as evidências de que o sistema não se sustenta.
Eis porque desejar boa sorte ao ministro da Economia não implica escolha política, apenas a angústia do instinto de sobrevivência.
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