EDITORIAL | O legado que a Ford deixa

Do ponto de vista dos interesses brasileiros, é de todo lamentável que, depois de mais de 100 anos de presença no Brasil, a Ford Motor Company tenha anunciado sua decisão de suspender imediatamente todas as atividades produtivas no País. Afinal, é mais um ponto de repercussão negativa para a economia nacional ou, como já foi lembrado, mais uma evidência de que está em curso um processo de desindustrialização, com repercussões negativas também no exterior. É preciso no entanto colocar a questão em termos mais exatos, que não são exatamente aqueles elencados na sucinta nota da empresa ao comunicar sua decisão.
Para começar, não é procedente a informação de que o fechamento das fábricas tenha a ver, diretamente, com custos locais, encolhimento do mercado e, menos ainda, repercussões negativas da pandemia. Sim, existem problemas internos, mas é preciso saber que a decisão da companhia foi tomada há cerca de quatro anos e faz parte de um reposicionamento global, com o abandono da produção de veículos leves, automóveis particularmente, em prol do incremento das linhas de veículos comerciais leves e SUVs, de maior valor agregado e em que a marca está mais bem posicionada. A rigor, e ao contrário do que tem sido dito, não havia o que negociar, como a prorrogação de incentivos fiscais que, mantidos, poderiam até equilibrar as contas mas, com a oferta atual, dificilmente alterariam sua posição no mercado, onde hoje ocupa a sétima posição.
O conhecimento e compreensão do que se passa neste caso específico não exime as autoridades locais da responsabilidade de reconsiderar as políticas de suporte à indústria no seu conjunto e a de material de transportes em particular. Trata-se, elementarmente, de dar concretude às discussões sobre o chamado custo Brasil, de que hoje tão pouco se fala, e agilidade às reformas que, de maneira geral, facilitem investimentos e negócios, assegurando-lhes competitividade, previsibilidade e segurança jurídica, num contexto mais favorável também à inovação.
Há que se compreender ainda que a indústria de material de transportes passa por um momento de transformação e inovação, sobretudo no que toca ao próximo fim do ciclo do motor a explosão e à mais ampla utilização da eletrônica, que implica em grandes mudanças na própria forma de utilização dos veículos. Também nesse sentido a decisão da Ford soa como advertência, que pode ser também o seu legado.
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