Opinião

EDITORIAL | O teatro e o mundo real

EDITORIAL | O teatro e o mundo real
Crédito: Gervásio Baptista/Agência Brasil

Ao longo dos pouco mais de cem anos do período republicano, o Brasil vive, presentemente, o maior período de estabilidade, o que não significa que tenha estado livre de intempéries, como ainda há. Os apetites desviados não têm sido poucos e quase sempre obedecendo a um script, com o horror à corrupção aparecendo em primeiro plano. Invariavelmente o mais completo teatro, como aconteceu a partir de 2014 quando condenar e combater corruptos muito mais que virtude foi, na realidade – e mais uma vez –, apenas a construção de um atalho para o poder. Tudo bem medido e calculado para produzir os efeitos desejados, sem que, na realidade, as feridas da corrupção tenham sido de fato tocadas, muito menos curadas como qualquer observador mais atento há de perceber.

Eis que chegamos ao momento atual, em que rumores cheios de pruridos não perdem a chance de falar de ladrões e de ladroagem, atirando sempre que podem nos seus alvos, mas fingindo ignorar o que o espelho lhes mostra. Caso bem claro de movimentos que ocorrem na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, com ampla e irrestrita adesão, para se transformar em anistia as irregularidades eleitorais praticadas pelos partidos políticos e detectadas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Um perdão geral para, por exemplo, multas que passam dos R$ 40 milhões com benefícios que não distinguem situação ou oposição. Trata-se de apagar, como se não tivessem ocorrido, o descumprimento da legislação eleitoral, desvios que envolvem mais de R$ 6 bilhões de recursos públicos repassado aos partidos, e desses aos políticos, através dos fundos eleitorais.

Houvesse seriedade ou, antes, apenas coerência com o que é dito nos plenários e antes nos comícios, e a manobra teria sido denunciada e apagada. Afinal, o que está em pauta são “gastos sem relação com a atividade partidária e em benefício de dirigentes”, como o caso já devidamente apurado de um parlamentar que usou parte desse dinheiro para abastecer, com itens de consumo e maquinário, churrascaria pertencente a sua companheira. Está dito no respectivo processo que “não foi possível constatar o uso de tais equipamentos – forno e bifeteira elétricos, pratos, copos, taças de vinho, maçarico culinário – em atividades partidárias”.

A escandalosa anistia, nos bastidores tratadas como se fosse apenas rotina, pode afinal não ser consumada por conta de reação de entidades da sociedade civil que já se manifestaram e cobraram providências. Na realidade, não importa como o último capítulo será escrito porque o mal já estará feito, nos ajudando a compreender por que exatamente a credibilidade da política desceu a níveis tão baixos.

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