EDITORIAL | Pior que o imaginado

É bem possível que a pressão, internacional inclusive, tenha ajudado a que fosse desvendado, com razoável agilidade, os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, mesmo que a versão oficial se fragilize diante da versão de que não houve crime encomendado. Nada plausível imaginar que tudo não tenha passado das mãos dos dois irmãos já acusados pelos assassinatos.
Tanto mais que o evento jogou um pouco de luz sobre o que se passa nos rincões mais remotos da Amazônia, onde a historicamente diminuta presença do Estado brasileiro tornou-se ainda menor nos últimos anos, alargando os espaços para ocupação indesejada, seja na perspectiva e nos interesses das populações nativas, seja da soberania ainda há pouco mencionada diretamente ao presidente Joe Biden, dos Estados Unidos.
De longa data são recolhidas evidências de presenças indesejadas na Amazônia, de missões supostamente religiosas a estudiosos, não convidados, dos vastos recursos minerais e vegetais da região, além de uma variedade de aventureiros. Segundo foi revelado agora, com os crimes mencionados, esta era uma perspectiva de certa forma até inocente, uma vez que foram recolhidas evidências, ou mais que isto, da presença ostensiva de organizações criminosas do Sul do País, envolvidas com o tráfico de drogas e com o garimpo ilegal, além de atentasoportunidades que possam surgir.
Tudo isso evidentemente é a consequência esperada do abandono da região, que é histórica, mas, nos últimos anos, ganhou proporções tais que acabou representando um convite explícito à marginalidade. Nessas condições não nos parecem exageradas e sim premonitórias declarações do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, diante dos acontecimentos, disse que o País adoeceu moralmente para viver “um momento de selvageria”. Para ele, se não houver reação rápida, com um plano consistente de recuperação, proteção e desenvolvimento da Amazônia, fatalmente perderemos a soberania sobre a região, não para outros países e sim para o crime organizado.
Nos resta concluir que também nesta perspectiva os limites da responsabilidade foram rompidos, numa ação que certamente não foi ocasional, mas sim intencional. Tudo isso com a ideia equivocada, mentirosa talvez, de ser necessário alargar as fronteiras agrícolas, gerando trabalho e riquezas, o que também se aplicaria à prospecção e exploração de recursos minerais. Absolutamente, assustadoramente, e bem pior que as previsões anteriores, não é o que está acontecendo.
Ouça a rádio de Minas