EDITORIAL | Política e pudor

Política no Brasil despida de todo e qualquer pudor, com situação e oposição se abraçando para produzir, em perfeita camaradagem e com um único voto dissidente – o do senador paulista José Serra, neste episódio digno de todos os louvores –, o mais escandaloso estelionato eleitoral de todos os tempos, distribuindo bondades que espera transformar em votos. E com o despudor, se não bastasse, de tentar sustentar que trata-se apenas de mitigar as aflições dos mais miseráveis.
Vergonha, a mais completa vergonha, que deve receber o carimbo final amanhã, na Câmara dos Deputados. E um pouco de tudo: transferência de renda aos participantes do programa Auxílio Brasil, novos subsídios para o transporte de idosos no transporte público, compensação aos estados pelos créditos de ICMS ao etanol, subsídios para caminhoneiros e taxistas, além do aumento do auxílio para compra do GLP. Tudo isso e mais a mentira de que as despesas ordenadas serão suportadas por um superávit que não existe.
Serão, pelo menos, mais R$ 40 bilhões para afundar ainda mais o buraco do déficit público e diante do qual ninguém, independentemente de quem leve a eleição de outubro, poderá falar em herança maldita. E ela virá, forte e incontornável, já alertam analistas de contas públicas, ameaçando inclusive a manutenção dos favores agora distribuídos, numa mal disfarçada e duvidosa tentativa de contornar as restrições da legislação eleitoral. Para quem ainda possa achar que seja pouco, falta esclarecer que, atentos e responsáveis, os donos da chave do cofre afirmam que não fizeram mais que atender à emergência que o País enfrenta, penalizando exatamente os mais pobres.
Uma verdade antiga e conhecida, demandando todo um programa de governo, recuperação econômica e disciplina nos gastos, providências que deveriam ter sido tomadas desde o primeiro dia de governo para afinal desaguar na farsa que custará muito caro, terá efeitos não mais que paliativos, além de projetar para o futuro um desequilíbrio fiscal muito próximo ou já em situação de descontrole, projetando um futuro em que é cada vez mais improvável que se possa enxergar a tão esperada recuperação, com crescimento da oferta de empregos e da renda, avanço real, duradouro e capaz de dispensar favores de mal disfarçada conveniência.
A votação no Senado indica a tendência que deve se repetir na Câmara dos Deputados, onde a movimentação dos últimos dias foi justamente para acelerar o processo, permitindo que os pagamentos sejam imediatamente iniciados. E sem outros riscos porque mesmo quem aponta a ilegalidade da emenda à Constituição, fato já apontado dentro do Supremo Tribunal Federal (STF), também diz que a afronta à legislação eleitoral e às regras fiscais na prática acabará sendo abafada pela expressiva votação alcançada.
Ouça a rádio de Minas