EDITORIAL | Privilégios não acabam

Os trabalhos no Legislativo foram retomados na última segunda-feira, em sequência às férias. Muitos assuntos, muitos problemas na verdade, reclamam atenção dos senhores parlamentares, mas sua pauta necessariamente não reflete a realidade. A política, é claro, vem na frente e não há como deixar de perceber que movimento, decisões e votos continuam condicionados pelo fator eleitoral, em especial as eleições presidenciais de 2022, embora o atual presidente, que já entrou na fila de candidatos, ainda tenha pela frente três anos de mandato.
Esse jogo de interesses, em que evidentemente ao público é reservado muito menos atenção que ao privado, explica certos movimentos, destinados a não causar incômodos e aproximar aliados. Caso explícito do Senado, onde já se anuncia retomada de debates sobre projeto de lei que cria regras especiais de aposentadoria para algumas profissões consideradas de risco. O ministro Paulo Guedes, da Economia, disse no ano passado que esperava da reforma do sistema previdenciário uma economia, em dez anos, de pelo menos R$ 1 trilhão e acabou se contentando, realista que é, com R$ 800 milhões. Ao fim e ao cabo, se prosperar a ideia do Senado, ficará com menos ainda e ainda mais distante da possibilidade de reequilibrar as contas públicas.
É verdade que existem categorias profissionais mais sensíveis, cujo trabalho implica riscos que devem ser considerados nos cálculos das respectivas aposentadorias. A questão é que esse assunto não é tratado técnica e objetivamente e sim ao sabor de pressões e lobbies, como já acontece, reforçando dessa forma disparidades, o que não parece ter a mínima importância da parte de quem as autoriza, já que não parece existir constrangimento em meter a mão no dinheiro público, tratado como se não tivesse fim e muito menos dono. Eis porque no orçamento brasileiro cabe quase tudo, desde que o padrinho seja forte.
Não se trata, no caso, de desconhecer as situações que sejam de fato excepcionais e diferenciadas. Trata-se de apontar e denunciar a lógica do privilégio, a mesma que foi gerando, ao longo do tempo, privilégios absurdos, aquilo que o presidente da República em certa ocasião chamou de “penduricalhos” a serem extirpados e permitem a muitas categorias receber muito mais que o “teto” fixado pelo próprio governo e que na realidade só vale para a multidão de funcionários anônimos e sem padrinhos.
Eis porque consideramos ilustrativa a disposição dos senadores de desengavetarem o tal projeto. É assim que as coisas funcionam, é assim que as contas públicas vão sendo corroídas, num processo que ainda não encontrou freio.
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