Opinião

EDITORIAL | Razões de Estado

EDITORIAL | Razões de Estado
Será feita a prisão em flagrante de quem ocupar ou obstruir vias urbanas e rodovias e tentar invadir prédios públicos | Crédito: Amanda Perobelli/ Reuters

Além de entrarem para a história como as mais acirradas de todos os tempos, as eleições de 2022 também ampliam o debate sobre os limites entre as relações Estado e governo. A linha divisória foi cruzada de maneira inédita, por exemplo, com os flagrantes casos de servidores públicos da Polícia Rodoviária Federal (PRF) apoiando manifestantes que bloqueavam trechos de rodovias em protesto contra o resultado das urnas. Isso não pode ocorrer.

Há questões de Estado e assuntos de governo – e, entre eles, existe clara diferença, definindo o papel de cada um. O Estado é o conjunto de instituições que integram os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), as quais atuam como parte do sistema de representação, organização, e regulação de serviços de atendimento da população de um País, visando ao seu bem-estar e a integração nacional. Por sua vez, o governo (Executivo) é uma das instituições que compõem o Estado, tendo o dever, como integrante desse sistema, de conduzir a sua administração dentro dos respectivos preceitos legais e mirando medidas de aprimoramento, sempre discutidas com transparência, dos serviços levando em conta conhecimento técnicos e as dinâmicas econômicas no País.

Fatos ocorridos nos últimos quatro anos alertam que o governo que toma posse em 1º de janeiro terá que revisitar essa relação, que é fundamental e básica para preservação dos valores republicanos e da própria democracia. São inúmeros os avanços de sinal identificados, todos amplamente divulgados e registrados pela memória nacional, incluindo intervenções indevidas em órgãos públicos de Estado, cuja autonomia foi violentada para que passassem a atender a interesses do governo de plantão.

São notórias, todas catalogadas, as investidas em órgãos de normatização e fiscalização, cujas prerrogativas de atuação vão de questões criminais às financeiras e econômicas: Secretaria da Receita Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão que é responsável por fiscalizar condutas anticoncorrenciais, e Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), do Ministério da Fazenda. São, todos, órgãos importantes e que, pelo poder que tem, despertaram a cobiça no preenchimento dos seus cargos.

Entre iniciativas destes órgãos, que despertaram a atenção de gente poderosa e influente, estão as famosas “rachadinhas” que usualmente grassam por gabinetes parlamentares (provocou a transferência do Coaf do Ministério da Fazenda para o Banco Central), revisão de impostos e multas tributárias (Carf), acesso a investigações policiais (Polícia Federal). No Cade, que tem entre suas atribuições a defesa da livre concorrência, um despacho singular do atual superintendente-geral do órgão tornou praticamente sem efeito decisão do colegiado, tomada há oito anos, obrigando a CSN a vender sua participação na Usiminas, seu principal concorrente. O despacho foi acatado em partes por voto do presidente do órgão, que manteve a obrigação de venda, sem, no entanto, determinar prazos.

O presidente Lula, a partir de sua posse, terá a possibilidade de escolher novos titulares para todos estes órgãos. O desafio é o de fazer indicações estritamente técnicas, que devolvam a esses órgãos – Polícia Rodoviária Federal, Secretaria da Receita Federal, Cade e Carf – o espírito do entendimento da diferença entre interesses de governos e as verdadeiras e republicanas razões de Estado.

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