EDITORIAL | Reforma ou remendos?

O presidente Lula tem dito que a reforma tributária, uma urgência que resiste há mais de 40 anos de espera, é uma das prioridades de seu governo, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, promete novidades impactantes a curto prazo. São avaliações, tudo indica, recheadas de otimismo ou capazes de recordar suposta conversa entre o técnico Vicente Feola e o genial jogador Garrincha, nos idos dos anos 60 do século passado, quando o primeiro expunha ao jogador a estratégia para o jogo contra a seleção da então União Soviética e Garrincha se limitou a indagar se ele já havia combinado tudo com os russos.
Cabe a analogia, seja verdade ou lenda, a conversa sobre futebol. A reforma tributária, assunto que começou a ser discutido ainda com o País sob o regime militar, não avançou porque envolve interesses conflitantes. Como alguém disse recentemente, todos querem a reforma, mas exclusivamente a sua versão do que seja alterar um sistema desequilibrado, injusto e de baixa eficiência. Exatamente o que disseram na semana passada representantes de Estados do Centro-Sul, Minas Gerais inclusive, que reclamam mudanças, apontam a concentração de receitas na União e de obrigações nos Estados e sustentam que não haverá discussão q ue chegue a bom termo se não for levado em conta o elevado endividamento dos entes federativos, além de compensação pelas perdas de receita que sofreram, a última delas devido à redução da alíquota do ICMS sobre energia e combustíveis.
Carregando uma dívida que, somada, passaria dos R$ 630 bilhões, situação que na prática os colocaria em situação de insolvência, os Estados ponderam que não pode haver entendimento, ou eficácia nas medidas que venham a ser alinhadas, sem que a realidade seja considerada e o desequilíbrio tratado a partir de suas verdadeiras causas. Um processo, cabe também lembrar, iniciado durante a ditadura, numa arquitetura mais política que econômica e destinada a fortalecer o poder central e a colocar de joelhos estados e municípios, numa relação de dependência que a redemocratização não alterou.
Para valer, para colocar a questão nos seus devidos termos, é disso que se trata, seja para compreensão dos erros e distorções acumulados, seja para explicar as barreiras que continuam de pé, sem sinais de que possam ser derrubadas. Reforma que não considere a realidade não passará de mais um arranjo de curta ou nenhuma duração, enquanto mudanças mais amplas e eficazes continuarão dependentes da restauração do equilíbrio perdido faz tempo.
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