EDITORIAL | Retrato da regressão

Brasileiros abaixo da linha de pobreza, contingente substancialmente elevado nos últimos quatro anos, período que coincide com a elevação do desemprego e da informalidade, costumam exibir, em seus barracos, quando entrevistados, geladeiras vazias, contendo apenas garrafas d’água. Esta cena, tristemente repetida, ganhou, desde algum tempo, um outro elemento, mulheres cozinhando com fogões a lenha improvisados, talvez a melhor e mais cruel imagem do processo de involução e empobrecimento do País.
Ao mesmo tempo, a perversidade, a absurda insensibilidade de quem decidiu dolarizar os preços dos derivados do petróleo, garantindo ganhos absurdos para as empresas que atuam no setor e mais miséria para milhões de pessoas. Uma lógica, convém acrescentar, que não tem cabimento, que não responde à motivação da criação da Petrobras e, principalmente, de seu enorme sucesso ao garantir ao País o petróleo de que necessita.
Necessita mas pelo qual a maioria não tem como pagar, daí a regressão aos tempos do fogão a lenha e, quem sabe, não muito distante dos tempos em que também as carroças de outros veículos de tração animal estarão de volta. Na semana passada, em viagem ao Sul, o presidente Bolsonaro, diante do anúncio de novas majorações, desta vez com maior impacto sobre o gás natural, voltou a dizer que não intervirá na política de preços da estatal, mas cobrou pelo menos mais previsibilidade nos seus movimentos. Um sinal parcial, dúbio e, pior, certamente de nenhum efeito, embora não faltem os que aplaudam – nesse caso – a autonomia da Petrobras, mas não se perguntam a quem ela serve.
Para dizer o mínimo, uma autonomia sem sentido, burra, que não guarda nenhuma proximidade com os melhores argumentos a considerar. Até porque os interesses dos acionistas são na realidade muitíssimos bem atendidos, e o maior deles, o Estado brasileiro, deveria medir os resultados discutidos com outra régua. A Petrobras tem que se financiar, tem que gerar receitas que paguem suas contas e assegurem margem para os investimentos que continuadamente deve fazer. É só lembrar que cada barril de petróleo que ela produz custa cerca de U$ 15 para entender que as contas estão erradas, muito erradas. E não obedecem a lógica de que a questão é muito mais estratégica que econômica, que alcançar a autossuficiência deveria significar autonomia, melhores chances de construir a prosperidade nacional, e não alinhamento à Opep ou aos interesses de quem especula na Bolsa de Nova York.
São os fatos, a realidade que não se quer enxergar porque ela aponta na direção daquilo que move o mundo rico, mesmo que para isso reste ao Brasil tomar de volta o caminho do fogão a lenha.
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