EDITORIAL | Retrato sem foco

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que se repete a cada ano, carrega, muito mais que as frustrações acumuladas em mais de 70 anos, esperanças de que pode ser diferente, pode ser melhor. Daí sua importância e relevância, mesmo com os poucos avanços no campo concreto das transformações almejadas e nunca plenamente alcançadas.
Daí a solenidade do evento que, queiram ou não, continua sendo um momento marcante para todos, especialmente para o Brasil, cujo presidente tem a deferência de abrir a reunião, numa homenagem a Oswaldo Aranha, chanceler brasileiro ao final da Segunda Guerra, cuja atuação foi decisiva para sua criação.
Este introito é necessário especialmente para que os mais novos compreendam o simbolismo e a importância do evento da semana passada e, ao mesmo tempo, a sucessão de impropriedades cometidas pela delegação brasileira, diga-se de passagem uma das maiores, e pelo seu chefe.
É consenso que o presidente Bolsonaro não falou como um chefe de Estado, dirigindo-se a seus pares. Ele não parecia saber exatamente onde estava e por que. Assim, falou como se estivesse no tristemente famoso cercadinho do Palácio da Alvorada, onde todas as manhãs se dirige a seus seguidores, quando perde por inteiro a perspectiva de sua posição. Ou, como lembrava o ex-presidente Jose Sarney, o que o próprio chamou de “liturgia do cargo”.
O discurso do presidente já foi devidamente dissecado e são bem conhecidos os efeitos que produziu interna e externamente, provocando novos e ainda maiores danos à imagem do Brasil. É o que revelou, tristemente para nós brasileiros, a repercussão do discurso na imprensa mundial.
Sobre tais reações é fundamental que fique claro que o que foi visto e ouvido na ONU semana passada, aí incluídos alguns dos vexames que também foram amplamente divulgados, absolutamente não é o retrato do Brasil e dos brasileiros, um conceito reforçado, na verdade confirmado, pelos índices de rejeição ao presidente, a cada dia que passa maiores.
É preciso de alguma forma deixar claro que o País está num desvio, distante do que realmente é, distante sobretudo do que são os brasileiros na sua maioria. Nos cabe rejeitar de todas as formas a ideia de que o que vem acontecendo, numa triste e escalada sucessão de impropriedades, seria um retrato do Brasil, equivocadamente apresentado, ou visto, como uma espécie de pária entre os países ditos civilizados.
Em palavras mais simples e diretas, é fundamental que a parte não seja tomada pelo todo.
Ouça a rádio de Minas