EDITORIAL | Um assunto quase banal

O presidente da República ainda insiste em dizer o contrário, garantindo que a corrupção no País, pelo menos na esfera pública federal, acabou. Não é preciso acesso aos porões do poder para saber que não é verdade e para isso é suficiente lembrar o caso das vacinas, em que não há como disfarçar as digitais de gente de Brasília. Seria injusto, porém, afirmar que o assunto é exclusivo dessa esfera, longe disso. Na verdade, e infelizmente, corrupção no Brasil – e quem se lembra da Lava Jato, tão recente? – chegou a um ponto em que, do guardador de carros nas ruas a ministros, todos acham que é próprio guardar “o seu”, mesmo que a expressão mais apropriada fosse “o nosso”.
E tudo isso é tratado, apesar dos escândalos que pipocam aqui e ali, como se fosse algo natural, em que não é preciso prestar muita atenção. Talvez seja mais esperto e inteligente ser discreto e aguardar a própria vez. Afinal, todo mundo faz. São questões que nos ocorrem a propósito de acontecimentos recentes no Rio de Janeiro, onde um bombeiro militar, já identificado e preso, andou distribuindo tiros, salvo engano em um bar, e fez vítima. Detalhe em que custaram a prestar atenção: o meliante estava a bordo de um reluzente BMW, veículo por suposto incompatível com seus rendimentos. Foi preciso mais de uma semana para que as autoridades superiores se dessem conta do detalhe, prometendo investigar a origem do veículo e reconhecendo que algo parece muito errado nessa história.
E não foi a primeira vez. Situações desse tipo são comuns, embora evidentemente nem sempre o alvo das atenções seja um automóvel importado de alto luxo. Mas cabe lembrar também de um policial civil, também no Rio de Janeiro, preso na Barra da Tijuca, a bordo de uma Mercedes-Benz relativamente nova, depois de fazer alguma barbeiragem mais grave. O carro foi recolhido a uma delegacia, mostrado na televisão, mas na época ninguém se perguntou, pelo menos, se policiais, alguns pelo menos, não estariam ganhando bem demais.
Resumindo, é mesmo a banalização da corrupção, alimentada talvez pela prevalência da impunidade ou pelos fartos exemplos que vêm de cima, onde automóveis – ou uma SUV Land Rover – não passam de um mimo, sinal de amizade ou boa vontade em que aceitar significa que portas foram abertas. Para a qualidade dos presentes, alguns dias de cadeia, nas raras ocasiões em que acontece, até que pode ser um preço aceitável.
É certo que a repetição e a banalização produzem esta sensação de indiferença, de uma quase normalidade. É assim mesmo. Ou não, para a maioria dos brasileiros, preferimos acreditar.
Ouça a rádio de Minas