EDITORIAL | Um puxão de orelhas

O quarto ministro da Saúde em pouco mais de um ano, período em que a pandemia ceifou trezentas mil vidas no Brasil, disse, na primeira manifestação depois da indicação, que sua gestão seria de continuidade. Não poderia ter feito pior, ajudando a desencadear reações que podem estar contribuindo para alterar radicalmente o quadro político no País.
Começando pelo manifesto assinado por alguns dos mais importantes nomes do empresariado brasileiro, que teria sido o estopim para uma aparente guinada no Palácio do Planalto, cujo discurso foi surpreendentemente suavizado, culminando com reunião com os presidentes do Supremo Tribunal Federal, da Câmara dos Deputados e do Senado.
Foi preciso um ano e trezentos mil mortes, além de mais de 10 milhões de infectados para, finalmente, o governo admitir que existe, sim, uma crise de enormes proporções, que é necessário trabalho muito bem coordenado e que a vacinação em massa é a única alternativa que representa mais benefícios que riscos. Uma mudança de atitude que será necessariamente reforçada depois das manifestações do presidente da Câmara dos Deputados, afirmando que sua tolerância tem limites e, mais, que o remédio político – amargo – para a necessária correção de rumos pode ser fatal para quem não responde por suas responsabilidades. Mais explícito, impossível.
Menos duro mas não menos incisivo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, chamado a liderar o Comitê criado para coordenar nacionalmente as ações de combate à pandemia disse que será guiado por padrões ortodoxos, exclusivamente científicos. Para completar, e demonstrando ser pelo menos bom ouvinte, o próprio ministro da Saúde tratou de anunciar que sua determinação é “fazer política de saúde e não política na saúde”.
Triste, muito triste, que essa aparente reviravolta tenha sido feita à custa de tantas vidas ou que só agora o presidente da República, depois de um ano de teimosa resistência, defenda explicitamente a vacinação em massa, enquanto seu ministro promete chegar, rapidamente, à vacinação de um milhão de pessoas por dia. De tudo isso fica a impressão de que, mesmo com lamentável atraso e a um preço demasiadamente elevado, senadores e deputados se deram conta de que precisavam agir, impondo a correção de rumos, com o presidente da Câmara chegando a lembrar que “tudo tem limites”.
Cabe agora esperar, e com a urgência que se faz necessária, que o reposicionamento assinalado nessas duras manifestações seja mais que retórica e comece a produzir resultados.
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