EDITORIAL | Uma pressa inesperada

Falta polimento à imagem do novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, apontado como próximo do ex-deputado Eduardo Cunha, hoje cumprindo pena em prisão domiciliar. O novo presidente, que também responde a processos, de quem dizem que não bate, nocauteia, já mostra que não pretende perder tempo, tampouco deixar ao desabrigo seus aliados e, confirmada a escolha, resultado tudo faz crer de arranjos nada ortodoxos, já cuida de cobrar a conta, fazendo ver que o Centrão conhece seu espaço, poder e prerrogativas.
Muito ilustrativa, nesse contexto, a querela, semana passada, de um de seus aliados com a Anvisa, exigindo, com sucesso, revisão dos critérios de validação do uso de vacinas. Para os desentendidos, seria para simplificar e assim agilizar o processo, até aqui tratado com desleixo tal que os mais exaltados comparam a crime ou mesmo genocídio, considerado que uma parcela das mais de 220 mil mortes poderia ter sido evitada. Da noite para o dia mudou o discurso, agora existe pressa e todo empenho em comprar 10 milhões de doses da vacina russa denominada Sputnik, mesmo que para isso seja preciso atropelar alguns cuidados que são protocolares.
Inocente, muito provavelmente, será quem imaginar que essa mudança de comportamento possa ser resultado de algo comparável a uma crise de consciência e consequente interesse pelos que necessitam de cuidados urgentes. A história parece ser bem diferente e o enredo o mesmo repetido em inúmeras outras ocasiões.
Simplesmente já enxergaram um bom negócio pela frente, a ser assumido pela empresa União Química, controlada por um ex-deputado federal e com ligações explícitas justamente no Centrão. O resto fica fácil adivinhar, mesmo que a Anvisa, acusada de ser muito exigente e teimosa pela tola pretensão de colocar a ciência em primeiro lugar, não disfarce sua contrariedade diante da próxima aprovação de uma vacina que não foi testada no País e dentro de seus padrões.
São fatos e é muito difícil, se não impossível, acreditar em tantas coincidências. Sobretudo quando chama tanta atenção a velocidade dessas manobras que, para completar, contrariam tudo, ou quase tudo, que era dito até há pouco nos círculos oficiais. Afinal, e como já foi apontado neste espaço, a tal nova política, cheia de virtudes e de promessas, envelheceu precocemente, antes mesmo de poder dizer a que veio e acabou engolida justamente por aqueles que prometiam combater, quando garantia, pela voz de seu líder maior, que no Brasil não haveria mais espaço para “boquinhas”. Ou, mais propriamente, bocarras.
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