Desigualdade e indignação

Cumprindo a tradição que confere ao Brasil primazia de fala na solenidade de abertura da assembleia anual da Organização das Nações Unidas, o presidente Lula fez um discurso em que chamou atenção para as desigualdades globais, reclamando que seja estabelecida uma nova ordem política e econômica que devolva pluralidade e equilíbrio às relações internacionais. Depois de proclamar a capacidade humana de vencer desafios, disse que é necessário vencer também a resignação para reagir à desigualdade num planeta em que a fome é a realidade para mais de 700 milhões de indivíduos, enquanto os gastos militares passaram, no ano passado, de 2 trilhões de dólares. Tudo isso porque, segundo ele, suportar os países mais pobres, reduzindo as desigualdades, não tem sido mais que uma longa promessa.
Trata-se, propôs o presidente brasileiro, de resgatar os valores humanistas que inspiraram a própria criação das Nações Unidas, em 1945, além da renovação das instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), concebidas para reduzir desigualdades, mas que tem feito, na prática, justamente o contrário. Lula foi ouvido com um silêncio respeitoso, mas, ao contrário do que poderia ser esperado, aplaudido ao final um tanto discretamente, mostrando que mesmo num plenário majoritariamente formado por representantes de países que se incluem entre as vítimas das distorções denunciadas, a percepção da realidade prossegue sendo um tanto difícil. E, assim, como foi dito na abertura da assembleia geral da ONU, vivemos todos em um mundo cada vez mais desigual, bem distante do estabelecido na Agenda 2030, estabelecida justamente para promover as correções que continuam por acontecer.
Ou a construção, reclamou o representante brasileiro, das bases para uma nova ordem fundada na pluralidade e no equilíbrio, capaz de dar fim às desigualdades nos campos da economia e da política. E tudo isso tendo como moldura a busca do entendimento que marque, finalmente, a construção da paz, do fim dos conflitos, possibilitando que recursos e conhecimentos sejam afinal postos a serviço de causas mais racionais. Para concluir, não há como deixar de estabelecer conexão entre os discursos de terça-feira em Nova York e de junho passado em Paris, quando o presidente Lula foi ainda mais duro ao afirmar que a ordem estabelecida ao final da Segunda Guerra Mundial ajudou a fortalecer a hegemonia dos mais ricos, num processo de concentração e exclusão que hoje se revela disfuncional, representando na realidade uma ameaça que precisa e deve ser contida e removida.
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