Editorial

‘Minério não dá duas safras’: o impacto da sonegação da Cfem

Célebre frase do ex-presidente Arthur Bernardes explica a extrema dependência dos municípios mineradores da atividade extrativa
‘Minério não dá duas safras’: o impacto da sonegação da Cfem
Crédito: Reprodução Reuters

“Minério não dá duas safras”. A célebre frase do ex-presidente Arthur Bernardes, dita há cerca de um século, continua atual em relação à extrema dependência dos municípios mineradores da atividade extrativa. Em muitas cidades mineiras, como Itabira, a “safra” já está em processo adiantado de exaustão. As prefeituras buscam reduzir a dependência com projetos de diversificação econômica, que enfrentam dificuldades para sair do papel diante da profunda interligação do comércio, indústria e serviços locais com a mineração.

Dentro desse contexto complicado, chama a atenção uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), segundo a qual o setor mineral tem sonegado um valor bilionário da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) que seria repassado para as prefeituras, gerando um enorme prejuízo para os municípios que precisam justamente dos royalties da atividade para manter em funcionamento os serviços básicos para seus habitantes.

O órgão identificou que, entre 2017 e 2022, 69,7% dos titulares de 30.383 processos ativos de concessão de lavra e licenciamento não pagaram espontaneamente a Cfem. Nos 134 processos fiscalizados pela Agência Nacional de Mineração (ANM), em que houve o recolhimento espontâneo, o percentual médio de sonegação chegou a 40,2%, o que corresponde a R$ 12,4 bilhões que não foram arrecadados entre 2014 a 2021.

De acordo o TCU, pelo menos R$ 4 bilhões já foram perdidos de forma definitiva entre 2017 e 2021, por decadência ou prescrição, o que significa que não podem mais ser cobrados. Mais da metade dessa cifra se refere a pagamentos que deveriam ser feitos pela Vale. Os recursos são irrecuperáveis já que venceu o prazo legal de dez anos para que a ANM apurasse os valores devidos, cobrasse os devedores e tomasse as demais providências para reavê-los.

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Mais uma vez, os municípios mineradores são prejudicados pela ineficiência da agência reguladora do setor, que foi incapaz de cumprir a sua obrigação de fiscalizar o recolhimento da Cfem e cobrar das empresas a dívida da Justiça em tempo hábil. Além dos impactos ambientais irreversíveis da atividade extrativa e dos riscos de tragédias, como as ocorridas em Mariana e Brumadinho, a população de cidades como Ouro Preto, Itabira e Congonhas, na região Central de Minas Gerais, é afetada pela perda de verbas públicas essenciais para a prestação dos serviços básicos para a sociedade, como saúde, educação e saneamento.

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