Uma reflexão sobre os resquícios deixados pelo Império de Portugal no Brasil

O Estado brasileiro começou a nascer em 1808, quando D. João VI, fugido de Portugal, transferiu a corte para o Rio de Janeiro. Um movimento inesperado e ao mesmo tempo inteligente, bastante para preservar o reino e a coroa, ao mesmo tempo que emprestava à colônia um novo status, essencial para o seu futuro. No bom e no mau sentido. Chegado às pressas e sem qualquer preparação, D. João entre outras coisas mandou desocupar as melhores habitações, tomando-as para seu uso e dos seus próximos. Uma demonstração de poder e de força que de alguma forma foi perpetuada, ainda se faz presente nas grandes e nas pequenas coisas, com o Estado e seus agentes apartados do conjunto da população como se fosse um estamento à parte e superior.
O Império se foi, a República tomou forma, mas nem tudo mudou como esperado e desejado. Democracia relativa, com cidadãos de primeira e de segunda classe em que a esfera pública, políticos, agentes públicos e servidores, como regra, têm comportamento que remete ao desembarque de D. João VI no Rio de Janeiro em 1808. Por hábito, o Estado costuma ser hostil nas grandes e nas pequenas coisas, coloca-se acima tudo e de todos e assim produz tiranos de todos os tamanhos. E tudo com uma naturalidade que parece ter sido assimilada passivamente, esvaziando-se o conceito fundamental de que são todos “servidores” nos exatos termos descritos pela ministra Cármen Lúcia ao tomar posse no Supremo Tribunal Federal (STF).
Pequenos tiranos capazes, entre tantos e tantos exemplos, de tomar para si as calçadas em frente às suas repartições, fazendo delas espaço para estacionamento de veículos particulares, abrigados com placas e cavaletes determinando “uso oficial”. Em nome e por conta deles próprios, evidentemente sem qualquer base legal.
Lembram, na devida escala, os agentes de D. João VI assinalando no Rio de Janeiro as residências confiscadas para uso da corte. Um exemplo apenas dentre muitos outros que poderiam ser lembrados, do policial impertinente ao atendente que se imagina superior a quem deveria servir diligentemente. E o que dizer de fiscais, nas mais variadas esferas, que se imaginam acima do bem e do mal. Não são todos, é evidente, mas são muitos, protegidos e acobertados pelo silêncio.
Estamos olhando a base da pirâmide, mas se mirarmos o alto enxergaremos o conjunto, percebendo assim como os desvios ganham proporções diante das quais só cabe a mais completa indignação.
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