Editorial

O Rio de Janeiro de hoje pode ser o Brasil de amanhã

O que teve início com o jogo do bicho, chegou ao tráfico de drogas e ao crime organizado, alcançou margens muito além do tolerável com as recentes elucidações do assassinato de Marielle Franco
O Rio de Janeiro de hoje pode ser o Brasil de amanhã
Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

A criminalidade no Rio de Janeiro é assunto bastante antigo e as referências mais óbvias a respeito podem ser encontradas no chamado jogo do bicho, particularmente a partir da segunda metade do século passado. Atividades que, na perspectiva mais atual, parecerão até inocentes, mas, tudo faz crer, representam o ponto de partida ou o início de uma escalada assustadora. E traduzindo, sobretudo, envolvimento um tanto íntimo entre o crime e o poder estabelecido, formal, representado pelas esferas políticas, judiciais, policiais e até religiosas numa cumplicidade que ajudou a produzir o estado paralelo, que hoje apresenta evidências de ser, na realidade, aquele que tudo pode e tudo controla.

A recente elucidação do assassinado da vereadora Marielle Franco, que completou 6 anos, escancara esta realidade. Um crime, que bem pode não estar ainda completamente esclarecido, tramado e executado por figuras notórias da política local, dois irmãos sendo um deles, atualmente, deputado federal e outro – fina ironia – titular de uma cadeira no Tribunal de Contas do Estado, com suporte e cobertura de ninguém mais ninguém menos que o chefe de Polícia local. Este, conforme as acusações, teria planejado o crime e, na sequência, dificultado as investigações que só puderam ser conclusivas a partir da atuação da Polícia Federal. Como pano de fundo de tudo isso, milícias e, possivelmente, também facções criminosas.

A rigor, e para quem minimamente acompanha o noticiário, nada a estranhar, nada que possa merecer o rótulo de novidade. Percebe-se, tão somente, a extensão da escalada que teve seu início com o jogo do bicho, chegou ao tráfico de drogas e ao crime organizado. Tudo isso em evidente consórcio com autoridades locais sem o que a escalada jamais tomaria as proporções que tomou. Um conflito escancarado, banalizado e, de alguma forma, tomado como natural ou inevitável, algo que absolutamente não se pode aceitar passivamente. Não quando se percebe que o Estado, entendido como expressão do público e do coletivo, foi apagado ou substituído por um poder paralelo cuja legitimidade repousa nos seus fuzis.

Esta não é uma daquelas situações em que espanto e indignação representariam resposta minimamente adequada. Como já foi dito, a situação pode ser caracterizada, no Rio de Janeiro especialmente, como uma guerra aberta ainda que não declarada. Antes que seja tarde, se é que este tempo já não tenha sido alcançado, cabe reagir. Com a força necessária, com as armas necessárias, no entendimento claro de que acomodação e, muito menos, derrota não estão nos limites do aceitável. Porque o Rio de Janeiro de hoje pode ser o Brasil de amanhã.

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