Em se tratando de ética cristã…
Talvez pareça estranho tratar deste assunto em páginas de um jornal econômico. Mas, no fundo, no fundo, todos nós, empresários ou não, somos movidos por alguma fé ou crença. A conhecida religiosidade do povo brasileiro é destacada pelo pastor Silvio Meink, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, em artigo interessante e oportuno sobre a ética cristã. Considerando a religiosidade cristã como um dos traços fundamentais do brasileiro, seja ele católico, protestante ou pentecostal, o pastor chama a atenção para as manifestações externas dessa fé, como por exemplo, o uso constante do “sinal da cruz”, assim como de expressões como “graças a Deus”, “por amor de Deus”, “Deus é grande”, “Deus abençoe,” “Deus está conosco”…. Tudo na vida desses brasileiros parece ter a ver com Deus… E toca num ponto fundamental: a fé cristã se funda no primeiro mandamento, “Amarás ao Senhor teu Deus de todo coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento”, que se completa no segundo mandamento: “E amarás o teu próximo como a ti mesmo”.(Mateus 22.35-40).
Em consequência, a fé em Deus manifestada de modo simples e singelo pelo brasileiro em geral não deixa de ter uma consequência ética: o amor ao próximo como a si mesmo, com todas suas implicações morais, sociais e políticas.
No entanto, se pergunta ele, porque na realidade concreta do dia a dia, na sua prática política, no exercício da sua cidadania, na defesa dos direitos humanos daqueles que são espoliados esses cristãos não conseguem viver o amor ao próximo que consideram a base de sua fé? Por que permanecem as diferenças sociais degradantes, a espoliação e a exclusão, o luxo e a periferia, o desperdício e a fome? Por que a sociedade brasileira continua sendo uma das sociedades mais injustas do mundo, com 1% da população possuindo riqueza igual a 50% dessa população, apesar de maioria de sua população ser cristã (católica, protestante ou pentecostal)?.
E como explicar que qualquer intermediação política do amor ao próximo é logo apontada como coisa de comunistas, se espanta ele.
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A escola primária – os famosos Cieps – criada no governo Brizola, as reformas de base do Goulart, o Projeto Mais Médicos do Lula são coisas de comunistas. A Reforma Agrária, para dar acesso à terra às famílias pobres e aos pequenos produtores expulsos de suas terras devido à extrema concentração da propriedade, outra coisa de comunistas!… Matar em média dez jovens negros todas as noites pode: “bandido bom é bandido morto”.; cotas para jovens negros, excluídos durante séculos, nunca! coisa de comunistas. Crianças morrem de fome?, é culpa dos pais. Devolver as terras dos indígenas expulsos pelos latifundiários ou pelas barragens? Outra coisa de comunistas…
Todavia, os cristãos de verdade querem praticar a fé e viver a ética do amor ao próximo. Mas quando é através da política, aí “a porca torce o rabo e a vaca vai para o brejo”… diz o pastor.
O que nos falta, se pergunta Meink. Em primeiro lugar, nos falta a análise e a compreensão da realidade social brasileira, afirma. Em segundo lugar, falta também uma análise do perfil dos partidos políticos existentes. Só conhecendo a história da formação social, política e econômica do Brasil; só conhecendo o modelo político brasileiro, os partidos e a classe social que representam, saberemos melhor viver a nossa fé e termos uma prática política que seja a vivência e a concretização da ética cristã do amor ao próximo dentro da nossa realidade. Amor ao próximo que poderá então ser amplo, transformador, com resultados sociais e políticos concretos, com melhora da qualidade de vida das pessoas que até aqui foram empurradas para a margem em benefício de uma estreita faixa de favorecidos…
Como vemos, esse artigo vem em boa hora e pode fazer cristãos de todas as faixas repensarem a sua fé e o seu compromisso com ela e, consequentemente, com os próximos…. Também o Papa Francisco e entre nós, a Associação dos Empresários Cristãos, chamam a atenção para esse compromisso dos cristãos, sobretudo sendo eles empresários ─ responsáveis pelos diferentes setores produtivos e de serviços ─ com a construção de um mundo melhor e mais justo.
* Doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMG/Fafich
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