Opinião

Enfrentamento à exclusão escolar no Brasil

Enfrentamento à exclusão escolar no Brasil
foto: Rovena Rosa / Agência Brasil

Natacha Costa e Flavia Constant *

O direito à educação no Brasil é um direito tardio. Só foi efetivado como direito universal para crianças e adolescentes do ensino fundamental a partir da Constituição Federal de 1988. Desde então, um grande esforço de universalização do acesso à escola foi feito no País e, até 2019, 97% de nossas crianças e nossos adolescentes de 7 a 14 anos estavam estudando. Desse modo, ainda que a permanência, o fluxo (alinhamento entre idade e série escolar correspondente) e a aprendizagem fossem desafios para o ensino fundamental brasileiro, a universalização nesta etapa era considerada uma realidade.

No entanto, a pandemia de Covid-19 impôs um grave retrocesso nesse quadro. O fechamento de escolas, o isolamento social, o desmonte de políticas sociais no País e o agravamento das condições socioeconômicas da população brasileira nos fizeram voltar para trás em décadas no que diz respeito ao direito à educação.

A exclusão escolar, que vinha apresentando queda até 2019, voltou a crescer. Um estudo recente do Unicef estima que 2 milhões de crianças e adolescentes de 11 a 17 anos deixaram a escola durante a pandemia. Isso representa 11% da população dessa faixa etária. Nas camadas mais empobrecidas da população, esse percentual chega a 17% dos estudantes. Quase metade deles largou os estudos para trabalhar. Nesse período, enquanto o agravamento da pobreza empurrou as famílias para o desemprego e a informalidade, o fechamento das escolas impactou direta e drasticamente a trajetória escolar das crianças e adolescentes. Como resultado, 1,04 milhão de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos estavam fora da escola, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2022 (segundo trimestre).

Dados da pesquisa “As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil” realizado pelo Unicef em parceria com a Fundação Vale, apontam que, atualmente, 63% das crianças e dos adolescentes brasileiros vivem em condição de pobreza multidimensional. Isso significa que direitos como educação, moradia, acesso a água potável, saneamento e informação encontram-se negligenciados e que violações como o trabalho infantil e a exclusão escolar têm se imposto sobre a realidade de milhões de crianças e adolescentes brasileiros.

É nesse contexto que o projeto Territórios em Rede se organiza para atuação em 16 municípios brasileiros nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Pará e Rio de Janeiro. Uma colaboração entre a Fundação Vale e instituição da sociedade civil Cidade Escola Aprendiz, além das secretarias municipais de educação dessas cidades, que têm contribuído, de forma muito concreta, para o enfrentamento e prevenção da exclusão escolar.

A metodologia de trabalho do Territórios em Rede baseia-se em seis estratégias estruturantes: diagnóstico socioterritorial; constituição de um comitê intersetorial formado pelas secretarias de Educação, Saúde, Assistência Social dentre outras; busca ativa e acompanhamento social das famílias; comunicação comunitária; monitoramento e avaliação e formação de agentes públicos com foco na formulação e implementação de políticas públicas de prevenção e enfrentamento da exclusão escolar.

Em articulação com o poder público e organizações sociais locais, já foram identificados 11.930 crianças e adolescentes fora da escola ou em risco de evasão, dos quais 9.923 já foram matriculados ou reinseridos até janeiro de 2023. Para isso, foram realizadas 36.296 visitas domiciliares e 23.229 contatos telefônicos, resultando em 41.108 ações de acompanhamento efetivadas junto às famílias, com a finalidade de propiciar as condições necessárias para a retomada das trajetórias escolares de seus filhos e filhas.

O Territórios em Rede é parte da ambição social da Vale de ser uma empresa comprometida com o enfrentamento dos desafios sociais do Brasil. A ideia é que os resultados de iniciativas como o Territórios em Redes possam ser um farol para políticas públicas comprometidas com o enfrentamento das desigualdades em todo o país.

Dentre os aprendizados consolidados até aqui, o projeto revela que assegurar o direito à educação no Brasil hoje significa, mais do que nunca, compreender esse direito como indissociável dos demais direitos sociais. Nesse sentido, a articulação intersetorial e a ação direta nos municípios, apoiando as famílias a acessarem as políticas de proteção integral e a construírem respostas aos desafios que impedem que suas filhas e seus filhos estejam na escola, são estratégias fundamentais.

A realidade de violação de direitos a que milhões de crianças e adolescentes brasileiros estão submetidos nos impõe um necessário senso de urgência. Esperamos que o projeto Territórios em Rede possa fortalecer essa agenda para que o compromisso intransigente com o enfrentamento da exclusão escolar seja assumido como prioridade absoluta em todo o país. Não há tempo a perder.

* Presidente da Fundação Vale / Diretora executiva da organização social Cidade Escola Aprendiz

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