Especiais de Roberto Carlos

CESAR VANUCCI *
“Um místico transporte para o território das certezas serenas.” (Artur da Távola, falando do livro “De Ave Cesar a Ave Cristo”, de Augusto Cesar Vanucci)
Todos os anos, nesta época natalina, a Rede Globo de Televisão coloca no ar, alcançando sempre enorme audiência, o “Especial” de Roberto Carlos. Quando ainda entre nós, o saudoso mano Augusto Cesar Vanucci, diretor da linha de shows da emissora, era o responsável pela direção dos aplaudidos espetáculos. Dono de invulgar talento, primeiro brasileiro a conquistar o “Emmy” (nos Estados Unidos) e um “Ondas” (na Europa), Augusto projetava em suas criações artísticas, sempre que possível, toques do ardor místico que o embalava em todas as atividades exercidas.
Proponho-me, na crônica de hoje e, sobretudo, na que virá depois, retomando textos estampados há vários anos, a narrar uma intrigante história acontecida por ocasião da produção de um dos mais eletrizantes musicais da série. “Especiais de Roberto Carlos”, a primeira das crônicas mencionadas.
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“O especial de Roberto Carlos pegou-me, novamente, telespectador atento, diante da telinha. Falar verdade, acompanho há anos, com prazer sempre renovado, os espetáculos de fim de ano do rei. Cheguei mesmo, no passado, algumas vezes, a fazer parte daquela vibrante plateia de convidados que desfruta do privilégio de poder assistir diretamente no teatro as apresentações do consagrado cantor. Isso aconteceu com frequência até o dia em que meu saudoso mano Augusto Cesar “partiu primeiro”. Ele atuava, desde o início da série, diretor que era da linha de shows e programas humorísticos da Rede Globo, como produtor dos mencionados especiais. Tal circunstância, aliás, favoreceu a aliança fraternal que se criou entre ambos e que o andar do tempo só fez solidificar.
Passagens marcantes da amistosa relação acudiram-me à lembrança no correr desse último programa. Recordei-me de que no especial subsequente ao falecimento de Augusto (um registro: já transcorreram 25 anos de sua morte), produzido já com outra assinatura famosa dos redutos globais, Roberto Carlos fez uma referência, embebida de saudade e ternura, ao amigo que passou a “não mais ser visto”, conforme a lírica interpretação de Fernando Pessoa do fenômeno da morte. Agora, no ponto alto do recente espetáculo, quando pintou o magistral dueto de RC com Alcione, melhor cantora brasileira da atualidade, recordei-me de outro lance, esse envolvendo a intérprete de “Não deixe o samba morrer”, que deixou registro duradouro na gratidão de meus familiares. Alcione, presença de tempo integral no hospital nos derradeiros instantes de Augusto, ficou ao lado dos parentes enlutados, varando a noite, por todo o transcorrer do velório.
Confesso, humildemente, acreditar que aos mortos queridos é facultada, por desígnios que escapam, como tantas coisas mais, à nossa capacidade de entendimento, a oportunidade de poderem acompanhar, lá das latitudes espirituais em que se encontram, cenas prazerosas envolvendo pessoas de seu círculo afetivo com missão na pátria terrena ainda por concluir. Pus-me a imaginar, então, a alegria que ele, Augusto, com certeza, experimentou ao contemplar o soberbo concerto de vozes produzido pelos diletos companheiros.
Outra recordação saltitante, retirada das ladeiras da memória, remete a um especial de Roberto Carlos com arrebatadoras e eletrizantes cenas filmadas em Machu Picchu, Peru. Para muita gente, o mais belo espetáculo de toda a longa série. Episódio singular, desnorteante mesmo, difícil de ser compreendido pela lógica comum, aconteceu ali, naquele fascinante e mágico local, diante do aturdimento de uma plateia de elevada qualificação. Disponho-me a relatar, aqui, na sequência, com detalhes, como as coisas rolaram. Louvar-me-ei, em parte, no que foi contado por testemunhas oculares e, em parte, pelo que o próprio Augusto Cesar escreveu no livro “De Ave Cesar a Ave Cristo”, deixado pronto para lançamento, semanas antes de sua passagem. A propósito, a narrativa do livro citado obedece ritmo muito peculiar. As frases foram colhidas ao fluxo de pensamentos externados pelo autor, registrados por assessores, nas sobras de tempo extraídas de sua febricitante atividade profissional. Ressalte-se, ainda, que o consagrado jornalista Artur da Távola, autor do prefácio, classificando Augusto como um ser iluminado, “um dos mais importantes nomes da televisão”, atesta que as histórias do “Ave Cristo” são portadoras de “um místico transporte para o território das certezas serenas.”
É o que, realmente, vem revelado, com exuberância, no episódio que prometo trazer, no próximo papo, à apreciação dos distintos leitores.”
* Jornalista ([email protected])
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