Evocações do meu passaporte (V)
Cesar Vanucci*
“Deus reserva sempre para si um país eleito em que o conhecimento superior é incessantemente mantido (…) em nossa época, este país é a Índia” Shri Aurobindo (1872 – 1950)
Nestas “evocações de passaporte”, retorno ao baú trazendo para publicação anotações de viagem à deslumbrante Índia. Assim vi a Índia.
Tolerada como hipótese de trabalho no campo da pesquisa científica; absorvida como possibilidade nas histórias fantasiosas da ciência-ficção; acolhida como revelação mágica nos círculos esotéricos, a existência dos assim chamados “universos paralelos” atiça a imaginação humana. Ninguém sabe defini-los. Por tal razão, ficam situados nas latitudes – de difícil acesso – dos temas insólitos, que desafiam a compreensão das pessoas. Seriam mundos diferentes, localizados em dimensões inalcançáveis pela percepção, com referenciais básicos em nada ou em quase nada sincronizados com a nossa realidade cotidiana.
Uma visita à Índia concede-nos uma noção do que poderia vir a ser o tal universo paralelo. Um mundo misterioso, exuberante, colorido, marcado por contundentes contrastes, onde quase tudo se rege por valores, energias e paradigmas de difícil assimilação em nosso processo cultural.
Os flagrantes turísticos captados nas andanças indianas são de beleza inenarrável. Os componentes culturais e artísticos dos monumentos milenares provocam reações próximas do êxtase. Em alguns casos, mais do que isso até: transportam as pessoas a verdadeiro estado de graça. Faz sentido. Muita coisa no país converge para a crença no milagre.
Como descrever o Taj Mahal? A suavidade, o equilíbrio, a harmonia, a leveza de suas inconfundíveis linhas? Duvido muito consiga alguém conter as lágrimas ao contemplar os efeitos multicores da inflexão dos raios solares, no cair da tarde, sobre aquelas paredes de mármore imaculadamente branco adornadas por incrustações em pedras de outras tonalidades.
O poeta Edward Lear captou o instante de pura magia do local quando registrou que “os habitantes do mundo estão divididos entre os que viram e os que não viram o Taj Mahal”. O espetáculo arquitetônico não cessa aí. Estende-se por centenas de muralhas, monumentos, castelos, templos, cidades inteiras. Hawa Mahal, Fort Amber, Fort Agra, Qutb Minar, Safdarjung, Purana Qila, Fatipur Sikri, Jantar Mantar são algumas dessas obras portentosas que exaltam o poder de uma civilização cujos registros, autêntica epopeia, são narrados no Mahabharata.
Acrescente-se a isso os belíssimos templos hinduístas e maometanos. Os impressionantes recantos medievais. Os centros de peregrinação mística. As cenas típicas de rua, sem paralelo em nenhum outro lugar. Os inesgotáveis fluxos populares em direção aos pontos de veneração das divindades, nas margens do Ganges. A imponência sagrada deste rio. Como resultado, passa-se a dispor de um fantástico e imenso museu ao ar livre, da melhor qualidade humanística, de muita cultura e arte, de fervorosa religiosidade.
Não importa a temperatura sufocante, uma mescla do calor de Cuiabá com o de Muriaé multiplicado por cinco. Não importa a insuportável infraestrutura dos serviços urbanos. Não importa a incrível sujeira das ruas, por onde transita uma multidão mendicante e de vendedores empenhada em acossar turistas. Vista sob o aspecto cultural, a Índia é um deslumbramento único. Um milagre da criatividade.
*Jornalista ([email protected])
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