Ficcional & insustentável

A sustentabilidade no modelo em 6D concebe a realidade como a utopia de um equilíbrio entre seis dimensões, quais sejam: econômica, cultural, social, política, ambiental e espiritual. Isso expande a consciência empresarial para fora das caixas. O efeito de uma dimensão sobre as outras é inegável, sendo decisivas a racionalidade e a razoabilidade nos sensos que atuam em qualquer delas. Mas, em uma em especial, o contrário pode ser devastador: a política. Nesta, a flexibilidade, a sensibilidade e o bom senso devem trafegar pelas vias circulatórias da gestão oxigenando o cérebro administrativo e as interlocuções – através da comunicação. E nenhum destempero é permitido, a menos que se esteja no set de filmagem de uma ficção sobre sucessão organizacional. A propósito: luz, câmera… ação!
Imagine uma empresa com um CEO bronco e arrogante, mas que exerce fascínio sobre os colaboradores, porque “fala o que pensa” face ao “jeitão dele”. Mesmo que suas mensagens sejam ideias fixas e extremistas, como as de uma seita fundamentalista, que polarizem os próprios empregados, afrontem os jornalistas, confundam os analistas de mercado, desesperem os investidores, agridam minorias e firam outros stakeholders, osestatutos, os Direitos Humanos e a própria Constituição.
Em nome de um radicalismo chulo, pregue uma rigidez pseudomilitar na gestão, em uma era em que a inteligência mercadológica exige inovação fluente por parte da harmonia de mentes diversas, disruptivas e integradas, capazes de criar o impensável diante da volatilidade do consumo a devorar a fidelidade e a transformar originalidade em commodity.
Sujeito hábil em semear a discórdia para disfarçar sua incompetência e a gerar crises, conflitos e sofrimentos evitáveis, comprometendo o clima organizacional e a paz interna e externa? Suponha que esse CEO seja negacionista, flerte com filosofias de botequim e, apesar de leigo, conteste as recomendações da medicina do trabalho (da matriz), descumprindo o calendário de vacinação de empregados, terceiros e familiares. E cause, com isso, índices alarmantes de absenteísmo, descontinuidade de projetos e óbito entre eles, com sobrecarga dos sistemas e exaustão dos profissionais da saúde, sobre cuja situação ainda faça piadas, insensível à dor alheia e às perdas.
Além disso, privilegia simpatizantes de ideologias neofascistas e pseudocristãs – de uma única facção religiosa – mais para a politicagem, o tráfico de influência e a ganância que para a espiritualidade. E, mesmo não sendo uma empresa familiar, abre espaço para filhos especialistas em aquisições (imobiliárias) atuarem como dublês de porta-vozes oficiais, com talento para trapalhadas – até internacionais, mesmo sem saber inglês – gerando rusgas diplomáticas com grandes clientes e fornecedores – imprescindíveis à estabilidade econômica da organização.
Imagine que, não satisfeito, esse CEO ainda tenha como conselheiro outro parente próximo – pós-doutor em polemizar reuniões de condomínio – para exaltar os delírios narcisistas de sua imaturidade emocional travestidos de virtudes, propagando notícias falsas e fofocas sobre a concorrência, e suas próprias mentiras, ferindo o compliance, a ética e as políticas de integridade da empresa.
Pense que esse, por assim dizer, “líder”, ainda mantenha um gerente-geral de meio ambiente que proponha a desarborização da área industrial da empresa e a desativação dos mecanismos de controle ambiental, “passando a boiada” da poluição enquanto a atenção pública está em alguma crise que eles mesmos geraram. Talvez um conflito com as esferas trabalhistas por desfazer de etnias, orientação sexual, ativistas da cultura, além de subvalorizar a mulher inclusive em termos salariais, mantendo-as longe de postos de liderança e ressaltando aspectos de servidão sexual. Misoginia? Não satisfeito, ainda instiga o uso de armas, caindo nas graças de elites racistas, violentas e preconceituosas em geral; e de outros públicos tão ignorantes quanto, incapazes de compreender a diversidade por serem confusos em suas próprias escolhas.
O argumento desse roteiro tem cunho psicanalítico, passando por restrições intelectuais e tangenciando a psicopatologia por desaguar num misto de masoquismo com histeria: só assim se justificaria os empregados mantendo a estranha fixação por alguém incapaz de considerá-los. Talvez os diretores de conteúdo não aprovem essa ficção, por acharem difícil o interesse dos espectadores por algo tão distante da realidade, frustrando a ideia como proposta de trama para uma série da TV a cabo. Melhor mudar a abordagem para um filme intergaláctico, com a área de pesquisa e desenvolvimento dessa empresa descobrindo algo revolucionário: que a Terra não é redonda. Corta!
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