Impropérios

Cesar Vanucci*
“Perto de casa, deparei-me com uma loja chamada “Macabiras Center”. Achei aquilo um absurdo. Um insulto à linguagem. (Ariano Suassuna)
Um tiquinho de alumbramento com uma pitadazinha de ingenuidade. Indigência intelectual e cívica. Ação sorrateira de solapamento cultural. Frescuragem ampla, geral e irrestrita. Não há como deixar de enquadrar numa dessas classificações, ou numa outra derivada da mistura pura e simples de todas ou de várias delas, essa desconcertante inclinação de alguns pela aplicação indiscriminada, a três por quatro, de vocábulos estrangeiros em papos triviais, classificações e descrições de coisas e situações óbvias.
Contando com o prestimoso incentivo até de organismos oficiais, essa onda nauseante de macdonaldização do idioma que nos acossa e tanto agride nossa história, nossa cultura, nossas tradições e o nosso estilo de vida, já ultrapassou longe as barreiras da tolerância e do bom senso. O cidadão brasileiro vem sendo alvo de clara provocação. Está sendo colocado em permanente estado de desconforto e mal-estar, ferido em sentimentos e emoções preciosos, tal o excesso das sandices praticadas.
Isso vem ocorrendo ao nos depararmos, por exemplo, com bancos e outras organizações financeiras, do comércio, da indústria, da atividade agropastoril convocando a fiel clientela a participar de seus planos de aplicações ou vendas por meio de impressos que exibem títulos e notas explicativas em idioma que não é o nosso. As empresas aéreas empregam um insolente “mister” em bilhetes de viagem, no lugar de “senhor”, sem falar noutras alienantes rotulagens usadas para os demais e óbvios registros. O mesmo se faz, despudoradamente, na área de atuação de empresas de telecomunicação, com seus impertinentes roamings.
Os cidadãos também se assustam quando ficam sabendo que uma repartição encarregada de fazer funcionar o sistema do transporte coletivo urbano optou, certa ocasião, por designar de BH Bus um de seus mais importantes projetos. Sentem calafrio a percorrer-lhes a espinha dorsal quando se dão conta de que o futebol de praia, inventado no Brasil e dominado pelo talento de atletas brasileiros, ganha em alguns lugares novo nome: beach soccer. E é certo que o impropério não resulte apenasmente do fato de uma que outra disputa ser realizada na acolhedora “Lagoa dos Ingleses” …
Os cidadãos reagem, ainda, indignados, quando se defrontam com placas indicativas de man e lady afixadas nas portas dos gabinetes de higiene íntima. Enfezam-se na hora em que avistam, nas ruas e nas vitrinas, painéis e cartazes retumbantes anunciando on sale, com percentuais variáveis em off. Sentem uma vontade danada de torcer pescoços quando se lhes chega a informação de que algum babaca, travestido de consultor, conclama condescendentes discípulos a se manifestarem, em coro, com sonoro yes ao final das exposições, como sinal de concordância em relação ao conteúdo das explicações, seguramente recheadas de termos extravagantes extraídos de almanaques alienígenas.
São impertinências linguísticas, na linha do chamado inglês moroless, que nada têm a ver com o conhecimento, essencial a todas as atividades, de um idioma de reconhecida abrangência universal como o inglês. As reações contra tais extravagâncias, um gesto de legítima defesa putativa da dignidade e honra comunitárias, estão ganhando, também, registros revestidos de humor e sarcasmo, banhados na saborosa irreverência popular. É o caso das “traduções especiais” que circulam por aí, acerca do emprego pedante dessas expressões. Vejamos: a hot day – arrotei; he is my son – ele é maçom; ice cream – crime no gelo; everybody – todos os bodes.
*Jornalista ([email protected])
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