Incapacidade de mudar

Hoje examinamos as ideias que pautam o pensamento dos que se candidatam à condição de liderança, particularmente no âmbito da ideologia, pois elas não apenas identificam o estilo que predominará na gestão como as intenções subjacentes aos discursos. Algumas dessas ideias podem comprometer seriamente a sustentabilidade, coletiva ou individualmente.
Diante da diversidade e, sobretudo, da complexidade processual, tecnológica, sistêmica e humana de nosso tempo, não há espaço para ideias fixas. Aliás, nunca houve. Mas, algumas delas tomaram forma, com consequências nefastas. Há tempo provam-se insustentáveis e geradoras de sofrimento evitável. O holocausto foi um lamentável exemplo. Face às novas possibilidades e atual multiplicidade de desejos, saberes e pensamentos, além da expansão das consciências em direção à urgência de liberdade individual como fator chave para a felicidade, a flexibilidade, a tolerância, a empatia e a diplomacia tornaram-se mandatórias.
E a maioria do planeta sinaliza intenções de paz, sendo que os que insistem no conflito e na violência – inclusive em ‘comunicação violenta’ – perdem cada vez mais espaço e força. A grande vidraça tecnológica que se tornou o planeta serviu para alguma coisa boa, apesar da indiscrição e da manipulação a que os algoritmos nos submetem: expor mentes insustentáveis e estagnadas em ideias fixas. Isso inclui chefes de estado.
Há pouco, assistimos ao crepúsculo dos estadistas genuínos. E o último exemplar – atualmente fora de combate – floresceu, paradoxalmente, no berço de uma ideia fixa que culminou com o cruel genocídio orquestrado pela Alemanha hitlerista. Ângela Merkel comprovou o que todos sempre soubemos: que nem todo alemão é nazista, embora essa mancha ainda atormente suas almas. Além disso, há uma parte não alemã do planeta com simpatia a esse subproduto do pensamento, os dispensáveis neonazistas. Ângela, mais que amplificar a nova ética de seu povo, deu provas de uma liderança cordata, sensível e inegavelmente inspiradora. Porém, o tempo de temperança política parece ter se aposentado junto com ela.
E, como se não bastasse a policrise de nosso confuso planeta, a Velha Rússia deixou de nos brindar com pensadores brilhantes para desestabilizar o mundo sob os auspícios de um cabeça de bagre. Bem da verdade, os próprios russos parecem insatisfeitos com isso. Mas, não só a terra de Tolstoi esquenta o tabuleiro macroeconômico e geopolítico atual. A China carrega um pseudocomunismo com a mesma mão com que incita a fúria capitalista e a ganância a devorar a estabilidade e a paz, mesmo com muitos chineses contra, – sendo estes tratados a ferro e fogo – conforme as tradições milenares da tortura no país. E dá de ombros para tudo o que não significar radicalismo obtuso praticado pela hegemonia de um partido fértil em ideias fixas.
Os Estados Unidos substituíram um perfeito idiota por um ancião inábil e sequer endereça tempo para cuidar dos conflitos e dos tiroteios sucessivos de seus cidadãos, uns contra os outros. Esse, o pior terrorismo. A Europa, à exceção do pensamento nórdico, patina na incompetência em administrar crises e a pensar coletivamente, chafurdada na arrogância tecnocrática, na letargia e nos preconceitos de sempre. No Cone Sul, a confusão política e o subdesenvolvimento massacram substancial parcela da população (desempregada, desabrigada e com fome!), enquanto ex-condenados disputam com futuros presidiários quem é pode ser mais medíocre nas propostas de governo e menos altruísta em ideais políticos. Enquanto Evita Perón inspira um tango com refrão do Led Zeppelin: “the song remais the same…”.
Trilha sonora que cai como luva a uma Terra desafinada e em notório descompasso com a sustentabilidade. Em meio à inapetência do planeta em mudar – inclusive nações que ainda mascam na fisiologia social – ao menos poderiam focar em não adeptos de ideias fixas. Talvez esta seja a derradeira chance para um povo que já não sabe de onde veio e sequer onde está; menos ainda como projetar-se para um futuro sustentável, por sua fenomenal incapacidade de mudar.
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