Inconsolável choro dos municípios

José Eloy dos Santos Cardoso *
As ameaças de extinção de cidades que não arrecadam nem 10% de receitas próprias necessárias, através de PEC, para arcar com as despesas do município estão causando medo e choro em prefeitos, vereadores, secretários municipais e outros funcionários públicos locais. E com razão. Nessas cidades, com menos de 5.000 habitantes, esses grupos de pessoas são, na grande maioria dos casos, os melhores e bem pagos empregos em micro ou pequenas cidades do interior. A exceção fica, por exemplo, em municípios que tiveram um vertiginoso crescimento e desenvolvimento, grandes pagadores de impostos e taxas, como foi o caso de Ouro Branco, que já foi pequeno e, literalmente, “explodiu” em virtude da criação e funcionamento da Açominas.
Pela nova proposta de emenda constitucional (PEC), só na Zona da Mata mineira, 52 pequenos municípios deixariam de existir e seriam incorporados a outros em melhor situação. No Brasil inteiro seriam 1.254 localidades e só no estado de Minas Gerais, foram listados 211. No nosso Estado, a Zona da Mata é caracterizada pelo grande número de pequenas cidades, 52 delas que correspondem a 25% de todo o Estado. A totalidade dos prefeitos já se manifestou contra essa nova medida proposta pelo governo central.
O prefeito de Tabuleiro, Dauro Martins (PP), relatou a preocupação com o que pode vir a acontecer. A cidade se situa a 60 km de Juiz de Fora e apenas 14 km de Rio Pomba, que foi sua origem. Está claro que o desemprego parcial poderia acontecer, e o prefeito alega perda da vocação econômica (produção de leite). Esse município já foi distrito de Rio Pomba e, em caso de sua extinção, o mais provável seria voltar à sua origem. Rio Pomba construiu seu distrito industrial, melhorou consideravelmente suas receitas próprias e empregou um bom número de novos trabalhadores.
Accacio Ferreira dos Santos Júnior, já falecido, que foi um excelente presidente da Cia. de Distritos Industriais de Minas Gerais (Cdimg) tentou em Tabuleiro ser candidato a prefeito. Nascido em Juiz de Fora, tinha uma pequena fazenda nas proximidades da cidade. Candidatou-se a prefeito com intenções de, por sua experiência e prestígio junto a vários políticos, construir em Tabuleiro um pequeno distrito industrial para tentar atrair e lá localizar algumas micro e pequenas empresas. Foi derrotado por menos de 400 votos por um candidato que era funcionário de uma empresa bancária. É claro que o ganhador das eleições não teria influências maiores ou poder para colocar o município no caminho do desenvolvimento. Em políticas do interior mais vale uma simpatia para a população do que “curriculuns” e experiências profissionais. Accacio falava, além do português, mais 5 línguas como espanhol, francês, inglês, alemão e italiano. A pecuária leiteira local era importante, mas as dificuldades topográficas próprias da Zona da Mata e poucos recursos não foram suficientes para àquela cidade maiores rendas para a população, empregos e impostos. Tabuleiro tem 3.963 habitantes e receitas próprias que cobrem só 3,25% da arrecadação local. O município continua praticamente igual, com pequenas alterações, igual àquele que conheci 60 anos atrás.
Também constante na lista de extinções figura a cidade de Piau, com 2.850 habitantes e 4,21% de arrecadação própria em relação ao total. O prefeito Gilmar Aparecido Resende de Castro fala que a nova PEC é retrocesso em termos de perda de autonomia local. A cidade é conhecida pela tradicional Festa da Banana, que atrai muitos turistas quando é realizada. Também na lista figura a cidade de Goianá, que sedia o Aeroporto Regional da Zona da Mata denominado Itamar Franco. O município possui 3.952 habitantes, mas como a nova PEC só seria aplicada em 2026, acredita-se que, naquele ano, o município já teria atingido as condições de não extinção e como hoje é só de 7,23% de receitas próprias. Naquele ano já a teria atingido os 10% exigidos pela nova medida.
Pequeri, também na Zona da Mata com população de 3.347 habitantes e receitas próprias em relação ao total de 3,26% também tem seus receios de extinção. O prefeito Rafaneli Sales de Almeida acha que essa pretendida incorporação futura terá mais problemas para a cidade que for absorver o município do que soluções, além de acabar com as autonomias das cidades pequenas. Os apelos culturais falam mais alto e os tumultos a serem criados pelas cidades que forem absorver as pequenas localidades terão muitos problemas a se resolver.
A Associação Mineira dos Municípios, presidida pelo prefeito de Moema, Julvan Lacerda, acredita que a medida seja inviável e que os municípios deveriam ser ouvidos. Pode ser uma mudança drástica vinda de cima para baixo, mas os problemas inviáveis porque os municípios que não se sustentam foram criados de baixo para cima, e não o contrário. Para prefeitos, vereadores, secretários municipais, funcionários públicos locais e deputados estaduais e federais aí votados, as racionalidades administrativas e financeiras são problemas secundários. Fica claro que a criação de municípios inviáveis é obra de lideranças políticas locais por interesse pessoal, inclusive, para dar bons empregos para quem, na maioria dos casos, seriam impossíveis. É melhor transferir esses problemas para as populações inteiras dos estados que, com certeza, é quem suportariam as despesas feitas nas condições economicamente inviáveis. “O Brasil acima de tudo e Deus acima de Todos” é só uma das referências do presidente Jair Bolsonaro. Na prática, essa realidade não existe.
*Economista, jornalista e professor de macroeconomia da PUC-Minas
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