Indisponibilidade de bens nas improbidades

Juliana Picinin *
Desde 1992 encontra-se em vigor a Lei de Improbidade Administrativa e, dentre suas regras, está a possibilidade de que o juiz determine a indisponibilidade de bens dos réus enquanto o processo tramitar. Essa hipótese foi criada pelo legislador visando proteger o erário e à viabilidade de que, ao final desses longos processos, ainda houvesse patrimônio suficiente para fazer frente às eventuais condenações pecuniárias impostas aos condenados.
Na prática existem diversos problemas na decretação da indisponibilidade de bens e, embora se possa de todos tratar ao longo de uma série de artigos, neste momento optamos por um dos maiores gargalos dessa situação: a demora dos processos judiciais. As estatísticas apontam que esses processos têm uma longa tramitação, maior do que normalmente se vê para outras hipóteses de comum ocorrência no Poder Judiciário.
Isso porque é um procedimento especial, que conta com uma fase inicial que pode se alongar por um vasto período (a fase de aceitação da ação), além de normalmente demandar produção de provas e por réus diferentes, o que estende o tempo de tramitação do processo sem que a ninguém, de antemão, se deva culpar por isso.
As estatísticas também apontam que mais da metade desses processos não geram resultados financeiros, tendo sentenças de improcedência dos pedidos confirmadas pelos Tribunais (locais ou os Superiores), mas não sem antes passar por uma lista de recursos interpostos pela acusação, no intuito de reverter essa improcedência. O grande problema é que, no curso desse alongado e quase interminável processo, os bens dos réus permanecerão indisponíveis, situação que gera grave prejuízo a esses.
Vale dizer, para além de sanções que podem decorrer de decisão judicial no curso da ação de improbidade, a indisponibilidade traduz-se, na prática, em reprimenda sentida antes da sentença por quem é apenas réu. A isso denominamos sobrevitimização, um conceito já bastante assentado na teoria processual.
Na verdade, todas as partes envolvidas são vítimas do próprio processo: permanecer nesse papel importa custos, constrangimentos, esforços, desgastes e outras tantas denominações que quem já foi parte em uma ação judicial sabe muito bem como é.
Enquanto ser parte de uma ação judicial é uma vitimização legitimada ou tolerada, a sobrevitimização não o pode ser. O peso do processo não pode ser maior do que o peso da penalidade que pode vir a ser aplicada.
Por conta disso é que devem existir algumas medidas que visem a minimizar essa sobrevitimização ou, se possível, a eliminar. Nosso objetivo é propor uma delas, mesmo cientes de que é possível fazer uma lista de possibilidades.
Estamos falando da limitação temporal da indisponibilidade: se dentre as penas previstas no Art. 12 da Lei nº 8.429/92 está a suspensão dos direitos políticos e a suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração, essas estão previstas para vigerem por um prazo máximo.
No caso mais grave, de enriquecimento ilícito, essas penas não podem ultrapassar 10 anos. No caso intermediário, de dano ao erário, essas penas não podem ultrapassar 8 anos. No caso menos grave, de violação a princípios da Administração, essas penas não podem ultrapassar 5 anos. Se assim é, a indisponibilidade de bens nesses feitos não deveria também ultrapassar esses prazos máximos.
Independentemente de se mostrarem coerentes à efetividade ao final do processo, essa indisponibilidade não poderia significar um período maior do que as penas datadas que a lei estipula. Cumpridos esses prazos, se o processo não atingiu o seu termo e não transitou em julgado, por qualquer razão que seja, os bens deveriam ser imediatamente liberados, por decisão de ofício do Julgador.
Pode haver quem diga, nesses casos, que os réus inescrupulosos procurariam retardar ao máximo o fim dos processos para que se vissem livres da indisponibilidade dos bens e, assim, suprimissem seus patrimônios e deixassem eventual execução futura fadada ao insucesso. Em que pese possamos respeitar os autores dessa sugestão, ela é completamente desarrazoada.
De um lado, porque existem mecanismos legais para punir quem abusa do direito de recorrer ou opõe medidas protelatórias nos processos: a chamada litigância de má-fé. De outro lado, porque existem mecanismos para a parte interessada alegar fraude a credores no caso de dilapidação de patrimônio provocada para esvaziar o universo executável.
O que não se justifica é, em nome de uma presunção de culpa e más condutas, se deixe de considerar a sobrevitimização criada por um processo que começa, mas nunca tem data para terminar.
Leve-se em conta, inclusive, que a acusação pode mover os processos que envolvem discussão de dano doloso ao erário a qualquer tempo, considerando o posicionamento recentemente mantido pelo STF de que assim se leria a imprescritibilidade prevista no texto constitucional. Por conta disso, a ação pode ter tido início muitos anos após os fatos alegadamente ímprobos. Somado ao tempo de duração do próprio processo, o fim dessa história pode se dar 30, 40, 50 anos depois.
Não se justifica, então, que o patrimônio das pessoas fique preso a situações tornadas intermináveis por ações de terceiros. Nem se diga que os processos judiciais demoram por estratégias de defesa, já que permanecem muito mais tempo em conclusões e em secretarias do que em prazos às partes.
De tudo isso se tem, então, três conclusões especiais: primeiro, que os processos geram sobrevitimização se duram mais do que o razoável, especialmente nas situações em que houve indisponibilidade de bens; segundo, que é preciso haver um limite temporal claro e obrigatório para a duração das indisponibilidades de bens à luz das penas estabelecidas em caso de procedência dos pedidos; terceiro, que esse prazo pode ser a pena máxima temporal prevista nas próprias penas em tese postas na lei. Em busca de uma efetividade das respostas judiciais, entender o papel do tempo é essencial para termos respostas justas.
* Advogada do “Carvalho Pereira, Fortini”, mestre pela UFMG e professora de Direito Administrativo, Processo e Compliance
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