Inveja estimula prejuízos em condomínios

Kênio de Souza Pereira *
Ao adquirirmos um apartamento não há como adivinhar quem serão nossos vizinhos. Não há qualquer garantia do comportamento das pessoas no condomínio com base no valor da unidade ou padrão do bairro. Vários são os processos judiciais e conflitos que causam despesas elevadas e prejuízos movidos por sentimentos inconfessáveis, que motivam a venda das unidades.
Inspirar-se no sucesso do outro pode estimular o progresso, a vocação profissional, o conhecimento, a criatividade, a felicidade, a valorização de uma boa família e o maior empenho no trabalho, todavia, a questão está em almejar demasiadamente a qualidade de vida do vizinho, pois ao se alimentar esse sentimento de maneira distorcida poderá desencadear inveja. Sentir incômodo por outro estar melhor ou prazer em aborrecer alguém sem ter qualquer benefício pode gerar desdobramentos de um sentimento com contornos patológicos, e até trágicos, que prejudica apenas o invejoso.
Há casos em que o vizinho, na Assembleia Geral, vota contra a pretensão de um condômino melhorar a sua vaga de garagem, para evitar que seu automóvel seja danificado pela chuva de granizo, em fazer uma obra na cobertura que não prejudica a fachada, pois se incomoda ver alguém melhorar sua moradia. Outras vezes, um condômino vê negado pela assembleia sua pretensão de agregar ao interior da sala o pequeno hall de entrada do seu apartamento, que ocupa todo o andar ou uma área encravada (que algumas construtoras deixam camufladas para o fiscal da Prefeitura não negar a Baixa de Construção por exceder o coeficiente de aproveitamento) que somente determinado apartamento pode acessar. Que mal há? Pois, se a área não é acessível a ninguém, exceto a determinado apartamento, obviamente, essa área não é comum, sendo que sua utilização efetiva caracteriza o princípio constitucional da Função Social da Propriedade. O egoísmo tem limites e a todo momento os juízes indeferem processos motivados pelo ciúme, os quais não se baseiam em fundamentos jurídicos, pois não há prejuízo para o requerente.
O que a Lei de Incorporação em Condomínio, nº 4.591/91, artigos 10 e 19 e o Código Civil, artigos 1.335 e 1.336, vedam é o mau uso da propriedade, é a ocupação de tais áreas de maneira a gerar efetivo prejuízo, incômodo ou dano.
O livro “O Mal Secreto”, de Zuenir Ventura, menciona: “Ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é não querer que o outro tenha”.
Vemos rotineiramente o vizinho defender uma posição justamente para prejudicar o outro, a ponto de até estimular a propositura de uma demanda judicial para impedir a reforma do prédio em mal estado ou para prejudicar quem conquistou o que ele não conseguiu, tendo prazer pelo mal que pode causar ao próximo. Ramón Cajal explica que “A inveja é tão vil e vergonhosa que ninguém se atreve a confessá-la”.
A pessoa invejosa luta para denegrir, desqualificar e rebaixar aquele que deseja prejudicar. A socialite Vera Loyola, ao falar sobre esse mal, disse: “O verdadeiro amigo não é o que é solidário na desgraça, mas o que suporta o seu sucesso”. Por isso, há pessoas que deixam de comprar um apartamento de cobertura ou com área privativa por recear ser perseguido no edifício, pois alguns não suportam ter um vizinho que resida numa unidade melhor. Há até aqueles que justificam que o proprietário da cobertura deva pagar a quota de condomínio mais cara por ter mais sol, maior conforto interno, como se ele não tivesse já pago por isso na aquisição e ao quitar todo ano um IPTU mais elevado. Ignora que o rateio das despesas do condomínio decorre da utilização das áreas comuns, que se localizam fora das unidades, dos empregados e dos serviços que são usufruídos por todos os moradores, de forma igualitária, independentemente de ser um apartamento tipo ou de cobertura, pois ambos são utilizados apenas por uma família.
Alguns, ao defender que a aplicação da fração ideal seria correta, deixam clara a intenção de apenar o proprietário da cobertura, como se desejasse castigá-lo por morar numa unidade maior. Se a cobertura ou apartamento térreo utiliza efetivamente algum item a mais, como a água no caso de ter piscina, que pague a mais somente por esse item e nada mais, sendo isso lógico e matematicamente incontestável.
Para Niceto Zamora, a questão é curiosa, pois “Os ataques da inveja são os únicos em que o agressor, se pudesse, preferia fazer o papel da vítima.”
Mas há esperança, pois atuando como convidado e advogado nas assembleias, constata-se que a maioria das pessoas é sensata, estando satisfeitas com o que são e com o que têm e, dessa forma, se recusam a entrar no jogo daqueles que pregam a desarmonia, o conflito e que se empenham para sabotar a boa convivência, que é essencial onde moramos e trabalhamos.
*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis e Conselheiro da Câmara de Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
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